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Channel: Transparência – Pública

Explore o mapa da corrupção mundial

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O Banco Mundial lançou um banco de dados que reúne informações sobre 150 casos  internacionais onde houve, comprovadamente, a movimentação bancária de um montante igual ou superior a US$ 1 milhão relacionado à corrupção e desvio de dinheiro.

Os dados foram obtidos através de investigações, que ocorreram entre 1980 e 2011, feitas a partir de documentos (processos e  registros corporativos) e entrevistas com auditores e instituições financeiras. O internauta pode buscar por país casos de pedido de retorno de dinheiro desviado em contas bancárias no exterior.

A proposta é estruturar um mapeamento global de iniciativas dedicadas a promover a transparência, visando coibir a corrupção ao redor do mundo.

Batizado de “The Grand Corruption Cases Database Project”, o projeto teve origem num relatório publicado pelo Banco Mundial no final de 2011 chamado “mestres da manipulação de marionetes”, que investigou como governantes corruptos se utilizam das próprias estruturas legais dos governos para mascarar condutas indevidas.

Segundo o relatório, a corrupção movimenta cerca de US$ 40 bilhões por ano no mundo. O estudo também investigou os caminhos pelos quais o dinheiro é desviado dentro de mecanismos financeiros legais e revelou as falhas do sistema bancário e corporativo que é utilizado como fachada para crimes de lavagem de dinheiro e corrupção.

Maluf e Daniel Dantas integram a lista dos mais corruptos do mundo

Numa pesquisa rápida no banco de dados é possível encontrar nomes  conhecidos do público brasileiro como o banqueiro Daniel Dantas e Paulo Maluf, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo. Dantas é citado pelo caso do Grupo Opportunity, em 2008, quando teve US$ 46 milhões bloqueados em contas do Reino Unido e foi condenado por corrupção na tentativa de suborno de US$ 1 milhão para que um investigador desistisse das acusações contra ele, sua irmã e sócia, Veronica Dantas, e seu filho.

Além de Dantas, outro banqueiro foi parar na lista do Banco Mundial: Edemar Cid Ferreira, fundador e ex-presidente do Banco Santos. Ferreira foi condenado, em 2006, pela justiça brasileira a uma pena de 21 anos pelos crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. Durante o processo, o juiz do caso determinou a busca e apreensão de bens adquiridos com o dinheiro ilegal. Entre os bens apreendidos estavam obras de arte avaliadas entre US$ 20 e US$ 30 milhões, de artistas do porte de Roy Liechenstein, Jean Michel Basquiat e Joaquin Torres Garcia. Segundo os dados do processo, US$ 8 milhões ainda estão sendo monitorados pela justiça.

Paulo Maluf é citado pelo banco de dados duas vezes. Na primeira oportunidade, Maluf acusado pelo Procurador-geral de Nova Iorque de movimentar uma quantia de US$ 140 milhões no Banco Safra, entre 1993 e 1996. Durante esse período, era prefeito da cidade de São Paulo e participou de um esquema de desvio de verbas durante a construção da arterial Avenida Água Espraiada. O dinheiro foi transferido para contas de Nova York e, posteriormente, enviado para paraísos fiscais nas Ilhas do Canal no Reino Unido e, segundo as investigações, parte do dinheiro retornou ao Brasil para gastos com despesas pessoais e campanhas políticas.

Num outro processo, o ex-prefeito é acusado de desviar dinheiro oriundo de pagamentos fraudulentos para contas em bancos em Nova York e na Ilha de Jersey, no Reino Unido. Maluf e seu filho foram enquadrados nos crimes de apropriação indébita e lavagem de dinheiro e tiveram US$ 26 milhões bloqueados em contas de duas empresas, Durant Internacional Corporation e Kildare Finance Limited, que seriam de propriedade do político. As transferências de dinheiro entre as contas levantaram a suspeita da promotoria de Nova York, que decretou a prisão de Maluf colocando-o na lista dos mais procurados da Interpol em 2011.

Outro caso que aparece no banco de dados do Banco Mundial é o Propinoduto, investigado desde 2003, após a descoberta de envio de remessas de dinheiro a bancos suíços, feito por funcionários da Administração Tributária do Rio de Janeiro. Liderados por Rodrigo Silveirinha Corrêa, todos os 22 envolvidos foram condenados pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro por conta do recebimento de propina em troca de benefícios fiscais. Dos cerca de US$ 45 milhões desviados pelo grupo de Silveirinha, US$ 30 milhões já foram repatriados, e retornou aos cofres públicos brasileiros.

Ex-ditadores do Haiti, Egito e empresa Halliburton estão na lista

O levante egípcio – que teve como uma das causas a indignação do povo com a corrupção institucionalizada no país – motivou uma série de denúncias ao Procurador-Geral que serviram de base para uma investigação da ONU sobre desvios realizados durante o governo de Hosni Mubarak.

Apontada como destino principal do dinheiro ilegal, a Suíça concentrava cerca de US$ 1bilhão, fruto de corrupção, que pertenciam a Mubarak e outros membros do governo. Assim que a fraude foi descoberta, o Conselho da União Europeia determinou uma série de medidas restritivas que tinham como objetivo o congelamento de bens de todos os investigados.

Leia sobre a participação do HSBC nas fraudes de Mubarak e seus aliados

Jean Claude “Baby Doc” Duvalier, ex-ditador do Haiti, e sua família também foram acusados de enriquecimento ilícito pelo desvio de dinheiro público. As investigações identificaram grandes quantidades de dinheiro depositadas em paraísos fiscais na Suíça e no Reino Unido que somam cerca de US$ 550 milhões. Baby Doc responde a processos por crimes financeiros desde que foi deposto e deixou o Haiti em 1986, através dos quais teve o sigilo financeiro quebrado e, assim como Mubarak, sofreu medidas restritivas. Apesar de apelar seguidas vezes na justiça britânica, as acusações e o congelamento de bens foram mantidos.

Além dos ex-ditadores, a Halliburton, uma das maiores companhias de gás e petróleo do mundo também figura a lista de corrupção. O caso ocorreu durante os anos 1990, quando a KBR, subsidiária da Halliburton, foi acusada de subornar as autoridades nigerianas com US$ 180 milhões para garantir contratos para a construção de uma usina de gás no país.

À época, as acusações recaíram sobre o então chefe-executivo da empresa, Dick Cheney, que depois veio a se tornar vice-presidente durante o governo Bush. Em 2010 a Halliburton fez um acordo com o governo nigeriano em que se comprometeu a pagar US$ 32.5 milhões e mais US$ 2.5 milhões pelos honorários dos advogados. Além disso, a empresa se comprometeu a ajudar o governo a reaver parte do dinheiro que está congelado em contas bancárias suíças, que tinham como titular o agente de um empreendimento conjunto de fomento à indústria de gás nigeriana.

O banco de dados pode ser acessado por este link: http://star.worldbank.org/corruption-cases/

Após a publicação da reportagem, Edemar Cid Ferreira entrou em contato com a agência Pública para pedir que sua resposta fosse publicada. Ele reitera que a página do Banco Mundial traz um “disclaimer”  explicando que “as constatações, interpretações e conclusões expressas no banco de dados não refletem necessariamente a opinião dos diretores executivos do Banco Mundial ou dos governos que eles representam” e que o Banco Mundial  “não garante a exatidão das infomações dos dados incluídos neste trabalho”. O disclaimer termina explicando que “nem o Grupo Banco Mundial nem seus escritórios ou empregados serão legalmente responsáveis por quaisquer perdas que possam resultar direta ou indiretamente do uso ou confiança nestas informações”.



Ficha limpa, ficha suja e o exército de um homem só

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É na história bíblica de José, o personagem que foi vendido pelos próprios irmãos para ser escravo no Egito, que Joel de Souza Rocha, de 42 anos, natural de Coari, no interior do Amazonas, busca inspiração. “A gente sabe o tamanho da força que tem quando temos de lutar dentro de nossa própria casa”, diz.

Há quase vinte dias, Joel, solteiro e pai de uma menina, emprestou dinheiro de quatro amigos da cidade de 77 mil habitantes para, escondido da família, viajar sozinho para Brasília.

Até hoje está acampado em um canteiro à frente da sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “Eu vim para dar voz a Coari”, explica.

Com apenas R$ 120 no bolso, Joel ganhou hospedagem de graça da dona de uma pensão para sua estadia em Brasília. Porém, o coariense, que fez uma única refeição desde o dia em que chegou – não pelo parco dinheiro mas por protesto – ficou mesmo acampado, munido de uma faixa e alguns CDs.

A faixa traz um pedido que não está à margem da lei: “Por favor, TSE. Faça valer a lei da Ficha Limpa na minha cidade. Coari/Amazonas”.

Já os CDs contêm dados sobre o personagem que levou o coariense a dormir na rua, passar frio e fome: Adail Pinheiro.

Dossiê ‘Vorax’

São cópias de documentos e reportagens contendo gravações que a Polícia Federal fez durante a “Operação Vorax”, realizada entre 2004 e 2008, que desarticulou um esquema de corrupção, fraudes em licitações e falsificação de documentos que envolviam, entre 28 acusados, o prefeito recém-eleito de Coari, Adail Pinheiro (PRP). Pela acusação, Adail – que já administrou a cidade entre 2001 e 2008 – chegou a ter prisão preventiva decretada em 2009 – ele não havia informado à Justiça sua mudança de Coari para Manaus.

Após ser preso e recorrer a todas as instâncias possíveis – Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, Adail acabou ganhando a liberdade pelas mãos do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 28 de dezembro de 2009.

Acusado de abuso de poder econômico e desvio de dinheiro público, entre outros crimes, o então ex-prefeito de Coari permaneceu menos de três meses preso. Antes da prisão, a prestação de contas da sua administração foi rejeitada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

O material que Joel Rocha reúne também conta com as gravações que apontam envolvimento de Adail e dois ex-secretários municipais – Adriano Salan e Maria Lândia dos Santos – em facilitação à prostituição de menores, abuso sexual e pedofilia. Nas reportagens, algumas delas exibidas em rede nacional, é possível ouvi-los negociar, com uso de ‘códigos’, a prostituição de meninas de 15, 14 e até 13 anos de idade. Adail e os dois servidores chegaram a prestar depoimento à CPI da Pedofilia do Senado, onde negaram as acusações.

Mas o que quer o coariense Joel? Apresentar o material ao José Antonio Dias Toffoli, do TSE, relator de um recurso especial (veja aqui) do Ministério Público Eleitoral do Amazonas (MPE) contra Adail Pinheiro. O MPE tenta reverter do tribunal regional eleitoral que liberou o prefeito a concorrer – e vencer – as eleições deste ano.

“Não é possível que ele, depois de ter sido condenado, depois de haver provas de corrupção na cidade de Coari, que ele possa concorrer nas eleições. Ele não é ficha limpa”, afirma Joel.

Ficha suja

O imbróglio envolvendo o nome de Adail Pinheiro nas eleições deste ano começou pouco depois do registro de sua candidatura, que foi deferido pela Justiça Eleitoral em Coari.

O MPE recorreu da candidatura com base na Lei da Ficha Limpa, citando duas condenações do ex-prefeito no Tribunal de Contas estadual (TCE-AM), duas no Tribunal de Contas da União (TCU), e outra pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) – nesta, Adail foi tornado inelegível por três anos.

O TCE julgou irregulares as contas municipais de 2002 e 2006. No primeiro caso, Adail foi condenado a devolver aos cofres R$ 1,2 milhões e pagar multa R$ 32.267,08; no segundo, a sanção foi de R$ 9 milhões, entre multas e ressarcimento de dinheiro público.

No TCU, Adail foi condenado por irregularidades na aplicação de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e por “malversação do dinheiro público” em convênio com o Ministério do Meio Ambiente.

A condenação na Justiça Eleitoral ocorreu por abuso de poder político e econômico nas eleições de 2000.

Mas a juíza da 8ª Zona Eleitoral de Coari, Sabrina Ferreira – a mesma que aprovou a candidatura – negou o recurso de impugnação proposto pelo MPE. Ela alegou que ambas as condenações no TCE estavam suspensas por ordem judicial e que as condenações pelo TCU não comprovavam “ato doloso de improbidade administrativa”.

A juíza também descartou a condenação pela Justiça Eleitoral do Amazonas, em 2009, como impeditivo uma vez que, de acordo com a juíza, os fatos irregulares ocorreram antes da redação da Lei nº 135/2010, a lei da Ficha Limpa. Além disso, sustenta a magistrada, Adail já cumpriu os três anos de inegibilidade determinados pelo julgamento do TRE, contando a partir de 2008.

Reviravoltas

Após o indeferimento do recurso de impugnação, o MPE voltou a recorrer da candidatura, desta vez ao Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas. Em julgamento no dia 20 de junho, o pedido foi rejeitado.

Na primeira etapa, o relator do caso, o juiz Marco Antônio Costa, usou a mesma argumentação da juíza Sabrina Ferreira, da comarca de Coari: não haveria “ato doloso” nas irregularidades detectadas e julgadas pelo TCU. Para torná-lo inelegível este ano, diz o magistrado, “a condenação deveria ser, por exemplo, uma ação civil pública”.

Com todos os votos a seu favor, no dia seguinte, Adail estava livre para concorrer ao pleito. Mas o seu então candidato a vice, José Henrique de Oliveira, teve a candidatura impugnada por ter sido cassado do mandato de vereador e declarado inelegível pelo TRE-AM, no dia 9 de julho de 2009.

Em maio de 2008, ele e outros políticos – incluindo Adail – participaram de uma ação chamada “Comemoração do Dia das Mães” em que R$ 4 milhões do dinheiro público foram distribuídos à população em forma de brindes. O valor e os preparativos da ação foram interceptadas em gravações durante a “Operação Vorax”.

Ao longo do período entre a candidatura e a briga do MPE para impugná-lo, Adail obteve vitórias e derrotas. No começo de junho, o TCE acatou recurso contra a condenação das contas de 2002, em que o ex-prefeito alegava não ter tido direito à ampla defesa por não ter sido notificado. Já no mês de julho, Adail obteve liminar do presidente do TRE, o desembargador Flávio Pascarelli, que suspendeu a reprovação das contas de 2006. Em agosto, porém, a liminar foi cassada pelo Tribunal de Justiça do Amazonas.

No fim de julho, outra vitória: o (então) ex-prefeito conseguiu anular uma decisão de 2009 a respeito de irregularidades na aplicação de recursos do SUS. Mas, em outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu um pedido de suspensão da outra condenação do TCU, também de 2009, por verbas do MMA.

Mas o Ministério Público do Amazonas não se deu por satisfeito, e ajuizou recurso especial solicitando encaminhamento do seu pedido de impugnação da candidatura ao TSE, em Brasília.

Enquanto isso, Adail Pinheiro, que teve apoio declarado do senador Eduardo Braga (PMDB), líder do Governo Federal no Senado, e do governador do Amazonas, Omar Aziz (PSD), venceu o pleito com 42,83% dos votos válidos, quinze pontos à frente do segundo lugar.

Riqueza, miséria

De volta à frente do TSE, Joel se preocupa com a sua Coari. “Há quatro bairros que estão sem água, energia e asfalto há doze anos”. O Bairro do Pêra, diz ele, está isolado da cidade pela falta de uma ponte que vem sendo prometida pelo grupo de Adail há doze anos.

Para provar, o coariense mostra um exemplar de um jornal de tiragem e edição únicas – “O Progresso”, de outubro de 2004.

O jornal trazia cópias de 21 contratos de obras assinados por Adail em sua primeira gestão, bem como as fotos dos locais feitas após o prazo de vigência dos contratos. Nada tinha sido feito. Entre eles, a obra da orla da cidade, jamais concluída. O jornal acabou não circulando pela cidade.

“No dia em que os jornais chegaram em Coari, pessoas ligadas a Adail já sabiam e conseguiram pegá-los. Tudo foi queimado, menos um único exemplar, retirado da pilha por um curioso”, diz Joel, mostrando, orgulhoso, o único exemplar que escapou.

O mesmo grupo se reveza no poder há anos, explica Joel. “E há anos que a população de Coari sofre com problemas do século passado. Imagine que até hoje há pessoas que vivem na base da lamparina e andam no barro, pois não há asfalto”.

“Eu fui a diversos bairros, visitei pessoas. Vi mães de família dizendo que não tinham o que comer, e que suas crianças choraram de fome”.

Nesse momento, Joel para de falar e coloca os óculos escuros, envergonhado das lágrimas que escorrem. Mas o arrastado da voz não se esconde. “Queria que ele deitasse nesse banco que deitei por uma noite, e ficassem sem comer por uma noite. Pensaria diferente”.

Coari, lembra Joel, é uma cidade rica. Apenas no ano passado, recebeu R$ 58 milhões da Petrobras referentes aos royalties do petróleo. Nos primeiros mandatos de Adail foi prefeito, entre 2001 e 2008, o município recebeu 303 milhões de royalties. Coari sustenta o título de segundo município com maior arrecadação do Amazonas, perdendo apenas para a capital, Manaus.

“Minha cidade é a mais rica da região Norte do Brasil e tem tudo para ser uma das mais ricas do país”. Mesmo assim, nos últimos doze anos, segundo ele, foram erguidas apenas 100 moradias para a população.

Resta saber se a riqueza de Coari será convertida em crescimento social e econômico, fato que poderá ser averiguado pelo próximo cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios, que será divulgado no início do ano que vem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

O último relatório, divulgado em 2003 com dados do Censo 2000, colocou a cidade de Coari na posição 4.178, com IDH de renda em 0,507 – o que deixou a cidade na faixa de médio desenvolvimento humano, porém muito próximo do limite mínimo: 0,500.

O que também se manteve baixo no período de 2001 a 2008 foi o patrimônio de Adail Pinheiro, pelo menos de acordo com dados fornecidos pelo próprio candidato à Justiça Eleitoral. Mesmo depois de oito anos no poder, seja por mandatos em seu nome ou de seu grupo político, Adail declarou possuir apenas três veículos que juntos somam R$ 84 mil.

Uma casa em Coari que ocupa todo um quarteirão e que foi usada por Adail durante boa parte de seus mandatos, assim como um apartamento em Manaus (onde chegou a ser preso, em 2009), no conjunto Eldorado (zona Centro-sul da cidade) não foram declarados como de seu patrimônio pessoal.

“Apontam minha família na rua”

Apesar da fatura de material e da insistência em ficar no meio da rua, Joel Rocha ainda não conseguiu passar da recepção do TSE, em quase 20 dias de Brasília. Ele tentou, já no primeiro dia de acampamento, ser recebido pelo ministro Dias Toffoli. Mas ouviu que seria necessário acionar um advogado para tentar marcar uma audiência.

Agora, Joel Rocha promete tentar, inclusive, ser recebido pela presidente do Tribunal, a ministra Carmen Lúcia. “Espero que a ministra Carmen Lúcia, pelo menos, me receba e me ouça”, lamenta.

Enquanto não é recebido pelas autoridades, Joel permanece acampado no canteiro à frente do TSE. Agora, diferente do primeiro dia, já tem uma rede pendurada entre algumas árvores, em uma cena muito comum nas cidades e comunidades do interior da região Norte. A rede foi cedida por uma senhora que vende lanches nas proximidades. Ele também improvisa, com uma lona plástica, a proteção contra a chuva, que começa a voltar neste período, em Brasília.

A sua maior preocupação, no momento, é a integridade da família. “As pessoas já comentam. Já apontam minha família na rua”, ele diz, garantindo que não arreda pé de lá. “Fico aqui até o julgamento do recurso”.

A ministra Carmen Lúcia prometeu, pouco depois das eleições do primeiro turno, que todos os processos referentes à Lei da Ficha Limpa serão julgados antes da diplomação dos eleitos em todo o país, em de dezembro.E se houver uma decisão favorável a Adail Pinheiro? Joel mira o vasto horizonte de Brasília: “Não sei o que fazer. Sei que não poderei voltar à Coari”.

Vorax: A Justiça do Amazonas também entrou na mira

A “Operação Vorax”, da Polícia Federal, não flagrou apenas servidores públicos da prefeitura de Coari e pessoas ligadas a Adail Pinheiro. Escutas da polícia, levadas à Justiça, também apontam indícios de corrupção no próprio Poder Judiciário do Amazonas.

Pelo menos cinco juízes e um desembargador estariam envolvidos na manipulação de decisões judiciais em favor do grupo político de Adail Pinheiro.

Todos os citados nas escutas da PF – o desembargador Domingos Jorge Chalub Pereira e os juízes Hugo Fernandes Levy Filho, Rômulo José Fernandes da Silva, Ana Paula Medeiros Braga, Elci Simões de Oliveira e Airton Luís Corrêa Gentil – foram submetidos a processo administrativo disciplinar pelo Conselho Nacional de Justiça, no mês passado. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a aposentadoria compulsória para Chalub, Levy Filho, Fernandes da Sailva e Ana Paula Braga.

No final, a juíza Ana Paula Braga, acusada de troca de favores com a prefeitura de Coari, acabou não sendo punida com aposentadoria compulsória – punição considerada mais grave – mas acabou “apenas” transferida de Coari. A magistrada teria sido beneficiada por Adail com passagens aéreas e vagas gratuitas em camarotes de shows e eventos culturais realizados na cidade. Seu novo destino ainda será definido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas.

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A Polícia de São Paulo não responde aos pedidos feitos via Serviço Estadual de Informações ao Cidadão (SIC). Pelo menos, não conforme determina a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 2011). O problema aconteceu com o professor de políticas públicas da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado. Em julho do ano passado, ele escrevia um livro sobre as manifestações de junho e enviou à Secretaria de Segurança Pública, via SIC, um questionário sobre a ação, munição, orçamento e efetivo policial destacados para cada dia de manifestação no mês de junho.

Manifestantes se reúnem no Theatro Municipal de São Paulo no quarto ato contra o aumento da tarifa de ônibus no ano passado. Foto: NINJA

Manifestantes se reúnem no Theatro Municipal de São Paulo no quarto ato contra o aumento da tarifa de ônibus no ano passado. Foto: NINJA

De acordo com a Lei de Acesso à Informação, há um prazo de 20 dias para que o órgão se manifeste em resposta ao cidadão, podendo o prazo ser estendido por mais dez dias, com ciência do requerente da informação. Não foi o caso. Depois de 22 dias, o pedido – redirecionado à Polícia Militar – não havia sido respondido. Desde o pedido inicial, passaram-se nove meses até que ele obtivesse uma resposta parcial.

Ao primeiro recurso interposto por Ortellado pela falta de resposta, o responsável pelo atendimento pedia que ele tivesse paciência. “ENTENDA QUE A POLÍCIA MILITAR ESTÁ SEMPRE ABERTA AO DIÁLOGO, DESDE QUE FRANCO E ISENTO DE TENDÊNCIAS E PRECONCEITOS”, segue o texto, sempre em maiúsculas, que ainda conta, brevemente, a história da Polícia Militar e informa que “INDEPENDENTE DA SUA RESPEITÁVEL OPINIÃO, A PM ESTARÁ SEMPRE PRONTA A AJUDÁ-LO SE PRECISO FOR ASSIM COMO O FAZ AO ATENDER AS 45 MIL LIGAÇÕES DIÁRIAS FEITAS À PM”. Não há menção aos nove tópicos enumerados por Ortellado em seu pedido de informação: Efetivo policial, número de viaturas deslocadas, número de armamento menos letal consumido, custo estimado de cada operação, estimativa do número de manifestantes em cada protesto, número de policiais feridos, número de manifestantes feridos e detidos e tipificação dos manifestantes contra os quais foi instaurado inquérito penal.

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Um novo recurso foi movido, aprovado pela Corregedoria Geral da Administração. A resposta a esse recurso foi mais coerente com os questionamentos, mas, ainda assim, incompleta (leia aqui o conteúdo). “A coisa mais surpreendente é que a polícia simplesmente descumpre os prazos e descumpre a exigência de dar as informações. Por exemplo, a última notificação que eu tive da Corregedoria, cerca de dez dias atrás, dava cinco dias para a Polícia Militar responder”, conta Ortellado. A resposta veio uma semana depois da data estipulada.

A última resposta recebida por Ortellado, em referência ao terceiro recurso movido por ele, no dia 13 de março, curiosamente contradiz algumas informações divulgadas anteriormente pela própria Polícia Militar de São Paulo. O número de armamentos não letais consumidos foi considerado sigiloso nesse último comunicado (veja aqui), ainda que esses números tenham sido divulgados na resposta anterior (leia box: PM pode ter gasto R$ 180 mil).

De acordo com o artigo 32 da Lei de Acesso à Informação “recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa” constitui ato ilícito. O mesmo consta no artigo 71 do decreto que regulamenta a lei no estado de São Paulo.

Desinformação recorrente

O caso do professor Pablo Ortellado não é isolado. A ONG Artigo 19, que trabalha para garantir as liberdades de expressão, de acesso à informação e de imprensa, realizou quatro pedidos de acesso à informação do fim de 2013 ao início deste ano às polícias de São Paulo. Também houve atraso no cumprimento dos prazos, sem justificativas, além de respostas incompletas. “A gente percebe que a primeira resposta é a que mais atrasa e que é respondida com certo desleixo. O próprio conteúdo da resposta é extremamente confuso, extremamente amplo, nunca responde o que a gente está perguntando e muitas vezes, é abusivo, no sentido de fazer perguntas que não cabem ao órgão questionar”, diz Camila Marques, advogada do Centro de Referência Legal da Artigo 19. Ela lembra de uma resposta da Polícia Civil que menciona “em que pese não conste na solicitação qualquer menção à sua finalidade, deduz-se que seja a atenção aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência que devem nortear a Administração Pública, razão pela qual se enaltece a iniciativa”. Segundo a legislação os pedidos não precisam de justificativa a sua formulação.

Camila destaca o tom intimidatório de algumas respostas da Polícia Militar de São Paulo ao Serviço de Informação ao Cidadão. É o caso da resposta ao questionamento da Artigo 19 sobre a regulamentação de captação e utilização de imagens e áudio durante manifestações. “(…) PELO DEVER DE CONSCIÊNCIA QUE CARACTERIZA AQUELES COMPROMISSADOS COM A CAUSA PÚBLICA DERIVADO DO JURAMENTO FEITO NA ACADEMIA DE POLÍCIA MILITAR DO BARRO BRANCO, ME EXPONHO A RESPONDER E ACRESCENTAR OUTRAS INFORMAÇÕES COM AS QUAIS PRETENDO AUMENTAR O CONHECIMENTO DO SOLICITANTE SIC. VERIFICANDO O NOME DA PESSOA JURÍDICA E CONHECENDO DA INTIMIDADE QUE A REFERIDA ORGANIZAÇÃO REUNE, FACE A LIDA COM TANTOS PROJETOS RELACIONADOS A DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E LIVRE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÕES, COM PATROCÍNIO ATÉ PELA FUNDAÇÃO FORD, JAMAIS PODERIA OCORRER-NOS ACREDITAR SER NECESSARIO ESCLARECER QUE A LEGISLAÇÃO QUE GARANTE A COLETA DE IMAGENS PÚBLICAS NO BRASIL É A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA”, segue o teor da resposta da Polícia Militar, sempre em caixa alta.

Para a advogada, a Corregedoria Geral da Administração – que responde à última instância dos recursos aos pedidos não respondidos – tem cobrado melhor ação da polícia em relação ao serviço. “A gente tem e-mails de recursos nossos nos quais a CGA fala que a polícia deve responder à organização, porque não é algo sigiloso, não está dentro das escusas da lei, por exemplo. Isso é um ponto positivo, mas mesmo assim a gente tem pedido de que a CGA já mandou dois ou três e-mails cobrando a resposta e a Polícia Militar está ignorando esse tipo de apelo”, revela a advogada.

A ONG Conectas, que atua internacionalmente pela defesa dos direitos humanos, também tem tido problemas em conseguir respostas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e seus órgãos subordinados. Em janeiro deste ano, a ONG pedia à Secretaria e ao Comando da Polícia Militar informações sobre a atuação das forças de segurança pública nas zonas de exclusão, protocolo de ação e contingente de forças de segurança durante possíveis manifestações nos períodos dos jogos da Copa do Mundo. O acesso a algumas informações foi negado pela justificativa de sigilo (veja aqui). Em julho do ano passado a ONG, junto ao Instituto Sou da Paz, havia enviado oito questionamentos à SSP sobre as operações da polícia, que também requeriam acesso aos relatórios dessas operações, em relação à manifestação do dia 13 de junho do ano passado. Em setembro, as respostas chegaram, mas não respondiam nada. “Páginas e páginas da resposta realçam o importante papel da instituição na ‘preservação da ordem pública’, mas em nada contribuem para a devida satisfação das questões em destaque”, apela o recurso movido pela Conectas. (Leia aqui o pedido original, a resposta da Polícia Militar e o recurso movido pela ONG). A organização continua sem resposta.

Policiais durante a manifestação do dia 13 de junho do ano passado. Foto: Pública

Policiais durante a manifestação do dia 13 de junho do ano passado. Foto: Pública

“Aqui na Secretaria de Segurança de São Paulo, pela nossa experiência, eles nunca cumprem o prazo. E a impressão que se tem é que eles mandam qualquer coisa para dizer que responderam alguma coisa. Respostas muitas vezes até pouco elaboradas, pouco preocupadas com a satisfação de quem está pedindo a informação”, critica Rafael Custódio, coordenador do Programa de Justiça da Conectas.

“Ainda há uma demagogia grande em torno de acesso à informação. Há um discurso de abertura, de transparência, mas ainda há inúmeros casos de restrição ao acesso”, diz o advogado Rafael Valim, consultor da Artigo 19, que pesquisa temas referentes à Lei de Acesso à Informação. Ele vê uma disparidade entre a aplicação da lei nas diferentes esferas de governo. “Há órgãos que estão bem avançados, a gente precisa reconhecer, mas outros órgãos, sobretudo nas esferas estadual e municipal, resistem, e muito, à aplicação dos comandos da Lei de Acesso”.

Para Eduardo Pannunzo, consultor da Artigo 19 e pesquisador do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a lei em si não basta se não houver a organização da informação. “Acesso à informação pressupõe que se tenha informação organizada, sistematizada, para que possa ser disponibilizada ao cidadão. É o que se chama de publicidade ativa. Em geral, nisso se andou muito pouco”, explica, referindo-se ao fato de que ele mesmo, como pesquisador, já enfrentou dificuldades na obtenção de dados das esferas estaduais.

Para Valim, apesar de haver punições previstas no decreto que regulamenta a Lei de Acesso em São Paulo, é preciso que a população cobre dos agentes públicos sua aplicação. “Se os agentes não forem responsabilizados pelo descumprimento da lei, ela não se tornará efetiva”, diz. O Decreto nº 58.052 prevê advertência, multa e até rescisão do vínculo do funcionário com o poder público.

Policiais miram manifestantes com balas de borracha na Avenida Consolação, no dia 13 de junho de 2013. Foto: NINJA

Policiais miram manifestantes com balas de borracha na Avenida Consolação, no dia 13 de junho de 2013. Foto: NINJA

Informação pode permanecer secreta até 2029 

A Pública também teve negado o pedido de acesso à informação à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre os contratos ou valores de armamento não letal adquiridos desde 2013. Na justificativa do governo do Estado, essa informação é considerada imprescindível à segurança da Sociedade ou do Estado e, portanto, passível de classificação de sigilo.

Segundo a tabela de classificação de sigilo utilizada pela PM, essas informações podem ficar longe do conhecimento público por até 15 anos.

 

Em um dia de protesto, PM de SP pode ter gastado R$ 180 mil em gás lacrimogêneo

A Polícia Militar de São Paulo pode ter gastado cerca de R$ 180 mil em bombas de gás lacrimogêneo em apenas um dia de protestos. O uso das granadas ocorreu em 13 de junho de 2013, quando houve a repressão policial mais foi violenta contra as manifestações do ano passado. Foi nessa data que a jornalista da Folha de S.Paulo, Giuliana Vallone, teve o olho direito atingido por uma bala de borracha.

Naquele dia foram utilizadas, segundo a PM, 938 bombas de gás lacrimogêneo. O fato tornou-se público após pedido de acesso à informação feito por Pablo Ortellado, escritor e professor da Universidade de São Paulo. Baseando o cálculo no valor unitário de R$ 191,31 de uma GL 203, tipo de cápsula de gás lacrimogêneo da fabricante brasileira de armas não letais Condor, vendido ao Exército em 2012, chega-se a um valor total de R$ 179.279.

A reportagem da Pública, que acompanhou a manifestação nesse dia, recolheu cápsulas vazias da munição que confirmam se tratar do modelo GL 203/L, o mesmo vendido ao Exército.

Bomba de gás lacrimogêneo recolhida pela equipe da Pública no dia 13 de junho de 2013. Foto: Pública

Bomba de gás lacrimogêneo recolhida pela equipe da Pública no dia 13 de junho de 2013. Foto: Pública

Ainda de acordo com as informações da PM, no mesmo dia 13 de junho a PM disparou 506 balas de borracha. Como a Condor fabrica diversos tipos de balas, é difícil avaliar o custo dessa munição.

A PM também informou que o efetivo empregado naquela data foi de 900 “profissionais de segurança pública” e que mais de 200 pessoas foram detidas por dano e depredação, sendo registrados 20 boletins de ocorrência. Foram feitas apreensões de máscaras contra gás, coquetéis molotov, rojões, álcool, cachimbos de crack, balaclavas (máscaras), facas, latas de spray, machadinhas, martelos e canivetes.

Entretanto, há disparidade sobre números divulgados pela própria PM. Em outra resposta ao mesmo pedido de acesso à informação, enviada este mês, a PM afirmou que o efetivo na mesma manifestação era de 498 policiais, e que deteve 199 pessoas.

Em ambas as respostas, a polícia não divulga dados sobre protestantes feridos. Já os policiais feridos chegam a 13.

Bicho de sete cabeças

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Em janeiro, a Pública fez uma reportagem baseada em dados incompletos sobre repasses federais à educação nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo. Foi um erro, já admitido em um editorial na época. Entre outras coisas, nosso infográfico comparava os valores dos financiamentos a estádios aos repasses federais em educação para cada cidade. Os valores tinham como base a Matriz de Responsabilidades do Ministério do Esporte e o Portal da Transparência, mantido pela Controladoria-Geral da União (CGU).

MEC e CGU divergem sobre repasses da verba de educação nas cidades-sede da Copa

MEC e CGU divergem sobre repasses da verba de educação nas cidades-sede da Copa

A reportagem foi prontamente rebatida pelo governo federal. Tanto o Ministério da Educação (MEC) como a CGU soltaram notas contestando os números. Ambos apontavam que o valor repassado era, na verdade, muito maior. O MEC publicou uma nota  afirmando que o governo federal havia destinado R$ 49,4 bilhões à educação nas cidades-sede da Copa somente em 2013. Já a CGU dizia haver verbas destinadas a educação que estavam em outras rubricas no Portal da Transparência e que deveriam ser levadas em conta – nossa reportagem somou apenas as contabilizadas sob a rubrica “Educação”.

Uma verba importante, segundo a nota da CGU, seria, por exemplo, a do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que no site é tratada sob a rubrica “Encargos Especiais”.

Feito o pedido de desculpas no nosso site, nossa reportagem decidiu reparar o erro e esclarecer o valor real dos repasses federais para educação. Só não imaginávamos o emaranhado de complicações que viria a seguir. Durante dois meses, nossos repórteres procuraram os dois órgãos federais, estudaram a legislação e conversaram com especialistas para chegar ao dado correto.

Descobriram que não existe uma base de dados única, nem uma norma nacional de como contabilizar os repasses de verbas federais para educação. Os números, portanto, podem ser facilmente manipulados de acordo com as conveniências políticas do momento. Acompanhe a saga da Pública em busca dos dados e entenda esse bicho de sete cabeças.

Esconde-esconde

A primeira coisa que nossa equipe fez foi pedir ao MEC que enviasse um detalhamento dos dados citados na nota, isto é, que abrisse os números usados para chegar aos alegados R$ 49,4 bilhões em educação destinados às cidades-sede em 2013. O pedido foi pelo telefone no dia 13 de janeiro.

Parecia simples. Afinal, bastava mostrar a soma que o MEC tinha feito para chegar ao valor publicado. Nos dias que se seguiram, a reportagem ligou insistentemente para o ministério sem conseguir falar com ninguém. No quarto dia de tentativas, o MEC negou-se formalmente, por e-mail, a fornecer os dados completos: “As informações disponíveis foram as já mencionadas na nota em questão”.O Ministério da Educação afirmava categoricamente que só iria disponibilizar os números fechados, sem que pudéssemos avaliar os critérios adotados para fazer a conta. A reportagem ligou novamente para a assessoria e ouviu que só poderiam fornecer os dados pedidos se a “área técnica” consentisse em fazê-lo.

Mas e se a área técnica se recusasse a fornecer quaisquer dados, ficaríamos à mercê disso? Veio ao nosso socorro a Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) que estabelece no seu artigo 5º que “é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”.

Fizemos então um pedido ao MEC, usando a lei. No final do prazo de 20 dias, o MEC pediu mais dez de prorrogação. Mais uma vez, não nos restou outro jeito a não ser esperar. Mesmo assim seguimos ligando quase todos os dias para a assessoria, em busca das respostas. No final de um mês, o MEC respondeu com um simples parágrafo – e nenhum dado: “Em atenção ao questionamento, esclarecemos que os valores mencionados referem-se aos seguintes recursos: Fundeb (complementação da União); Cota-Parte da União para o Salário-Educação; Apoio à Alimentação Escolar na Educação Básica; Livros e Materiais Didáticos e Pedagógicos para a Educação Básica; Infraestrutura e Manutenção da Educação Básica; Apoio ao Transporte Escolar na Educação Básica; Funcionamento, Manutenção, Expansão e Reestruturação da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; Funcionamento, Manutenção, Expansão e Reestruturação das Universidades Federais; Funcionamento, Manutenção e Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais”. [relacionados]

Não forneceu, portanto, os números que usou para chegar aos valores totais de investimentos em educação, divulgados com alarde em janeiro. Ao mesmo tempo em que tentávamos obter uma resposta do MEC, entramos em contato com uma assessora de imprensa da CGU que prometeu dar a resposta em cinco dias, na sexta-feira seguinte. Isso não foi cumprido. Na segunda-feira, a assessora era outra. O esconde-esconde se repetia. Ligamos, ligamos, ligamos. Finalmente, onze dias depois do primeiro pedido, vieram algumas tabelas (baixe o material completo enviado pela CGU, referente a 2010, 2011, 2012 e 2013).

Elas mostram que os números são bastante discrepantes daqueles que o MEC considera como repasses federais para educação. A CGU esclareceu que contabilizou apenas os valores repassados pelo MEC às prefeituras das cidades-sede da Copa e entidades sem fins lucrativos. “É importante observar que esses valores são diferentes daqueles divulgados pelo MEC, por não incluírem as despesas executadas diretamente pelo governo federal (que lá estão incluídas)”, escreveu a assessoria por e-mail. Os dados também são diferentes daqueles que qualquer cidadão acessa no Portal da Transparência (da própria CGU), pois falam de valores empenhados. Como assim?

O bê-á-bá

A educação é uma área especialmente difícil de monitorar, por se tratar de uma responsabilidade compartilhada da União, estados e municípios, cada qual com a sua participação (veja o que compete a quem no infográfico no final desta matéria).

No nível federal há uma série de programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que podem ser contabilizados como gastos na área: Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE); Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE); Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo); Programa Um Computador por Aluno (Prouca); dentre vários outros.

Há também repasses diretos que o MEC, via FNDE, disponibiliza para secretarias municipais e estaduais para comprar materiais para creches e escolas, adquirir livros didáticos ou custear reformas, por exemplo. Existe ainda uma diferença entre os tipos de verba que constam dos dados. Há, por exemplo, as verbas empenhadas e executadas. Imagine que o governo federal tenha reservado no orçamento deste ano uma quantia para a construção de 20 creches, solicitada pela cidade de São Paulo pelo programa ProInfância. Essa verba é, então, empenhada. Ela fica disponível o ano todo, mas só será paga, ou seja, executada, à medida que o município fizer as creches. Se, por qualquer motivo, em vez de 20 forem erguidas apenas 12, São Paulo só receberá uma parte do total comprometido. Isso significa que, em muitos casos, o valor executado é menor do que o empenhado. Assim, dependendo de quem estiver falando, pode ser mais interessante usar o valor maior (empenhado) ou o menor (executado).

“A apresentação dos dados depende muito da metodologia que você usar. E essa metodologia é política, claro”, explica Cleomar Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização que acompanha os gastos do orçamento público. Definir o que é de fato dinheiro federal esbarra em outro problema.

Embora o Ministério da Educação tenha o costume de incluir repasses constitucionais no total dos gastos (como fez no nosso caso), isso não está certo, de acordo com os especialistas. “São recursos federais apenas aqueles que, após serem arrecadados e repartidos pelas normas constitucionais, ficam disponíveis para uso pelo Executivo federal. Não é correto contabilizar como verbas federais para estados e municípios as transferências constitucionais, porque esses recursos não pertencem à União e devem ser transferidos aos demais entes. Da mesma forma, os 25% do ICMS devidos aos municípios não são contabilizados como verbas estaduais”, diz Luiz Araújo, especialista em políticas públicas em educação, ex-presidente do Inep e presidente do PSOL.

Tanto é assim que os repasses constitucionais não entram na conta dos 18% da arrecadação de impostos que, por lei, o governo federal tem de aplicar em educação. A União aplica seus recursos na manutenção de sua própria rede escolar (universidades e institutos tecnológicos) e em programas direcionados para as diversas etapas e modalidades da educação. Parte do dinheiro vai para estados e municípios. Existem dois tipos de transferências: diretas (para livros didáticos, alimentação escolar, transporte escolar e outras, que não dependem de convênios) e voluntárias (que dependem de convênios com outras entidades, como a construção de creches).

Nesse cenário, diferentes critérios podem levar a números completamente distintos em relação à distribuição de verbas para educação. Os dados da nota de resposta do MEC para a Pública e as tabelas obtidas por essa reportagem demonstram isso. Só em Cuiabá, por exemplo, o valor que o MEC diz que o governo destinou à cidade é 86% maior do que a tabela divulgada pela CGU. Sem os repasses constitucionais, a diferença é maior ainda.

Para o professor e também especialista em educação José Marcelino de Rezende Pinto, da Universidade de São Paulo (USP), a falta de transparência sobre gastos e verbas utilizadas é proposital, e ocorre desde a década de 1980. “Há a obrigação de se aplicar um mínimo em manutenção e desenvolvimento do ensino e existe uma má vontade quanto a isso. Criou-se uma tradição, na prestação de contas, por parte da União, de estados e de municípios, de procurar mascarar um pouco as despesas”, afirma. Segundo ele, usar artifícios para inflar os números serve para dificultar a fiscalização. Mesmo assim, relatórios dos Tribunais de Contas costumam denunciar esse tipo de manobra. Por isso, detalhar para onde vai a verba também é complicado. “Quanto mais você vai para o município, mais difícil fica. Eu, por exemplo, tendo a trabalhar com cenários nacionais”, diz.

Telefone sem fio

Dificuldade real, como descobrimos ao entrar em contato com as secretarias de Educação dos 11 estados cujas capitais receberão a Copa, mais o Distrito Federal.  Pedimos para que informassem quanto da verba federal destinada à educação, repassada pela União aos governos estaduais e ao Distrito Federal, havia sido aplicada em educação básica em cada município-sede (uma parte do dinheiro usado em cada cidade chega por esse caminho).

Depois de dez dias de espera, nenhuma delas enviou os dados pedidos, apenas justificativas – diferentes. Das 12 secretarias, cinco informaram apenas o valor total dos repasses do governo federal ao governo estadual ou distrital (Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Paraná e Pernambuco), sem especificar quanto chegou à cidade-sede.

Três secretarias – Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo – responderam que, como a solicitação tratava de recursos federais, o mais correto seria pedir os dados para o governo federal. “As assessorias de comunicação dos órgãos responsáveis pela educação no âmbito federal têm a real dimensão de tudo que é posto como investimento em educação e que foi encaminhado aos estados e municípios”, afirmou, em nota enviada por e-mail, a assessoria de imprensa da Secretaria de Educação de Minas Gerais.

Segundo a Secretaria de Educação do Mato Grosso, a divisão do estado em 12 regiões administrativas dificulta o levantamento do volume de recursos federais para Cuiabá. “A identificação de todos os investimentos com recursos federais na cidade depende de um minucioso trabalho de levantamento de dados e informações, bem como da consolidação e análise das mesmas. Desta forma precisamos, para garantir tais informações de forma fidedigna, de um prazo razoável de três meses”, explicou o órgão, por e-mail. Procuramos, também, as secretarias da educação das cidades-sede da Copa.

Poucas responderam de acordo com o pedido, e os dados eram absolutamente divergentes em relação aos declarados pelo governo federal. “Os dados são mal agregados, as rubricas não são claramente apresentadas; os municípios não têm contas exclusivas para as diferentes fontes de receita da educação”, analisa Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma rede de mais de 200 entidades que atua para garantir o direito a uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos no Brasil. “Não dá pra colocar mais recursos na área sem analisar criteriosamente a maneira como o gasto está sendo feito hoje. Eventualmente, várias redes públicas brasileiras teriam condição de pagar melhor os seus professores, mas como não tem essa transparência, a gente não consegue dimensionar o que tem sido feito em relação ao que poderia ser feito. Então a gente não consegue planejar o futuro.”

Quebra-cabeça

Para além da discrepância e resistência das assessorias em passar informações públicas, existem as bases de dados disponibilizadas na internet, como prevê a Lei de Acesso no artigo terceiro: “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações”.

Em tese, todas as informações sobre as despesas e repasses do governo federal estão disponíveis para consulta na internet. Mas não é bem assim que funciona. Os dados muitas vezes aparecem em estado bruto, em uma linguagem técnica acessível somente para quem conhece a fundo o orçamento federal. Outras vezes, é preciso saber exatamente onde procurá-los. Mais complicado ainda é encontrar informações abrangentes e detalhadas, como repasses por cidade e por programa. Assim, se você quiser descobrir quanto o governo federal gasta em educação na sua cidade, o máximo que terá como resposta são dados incompletos ou difíceis de entender.

O Portal da Transparência deveria ser a página mais amigável e simples de usar. Afinal, seu objetivo principal é permitir que qualquer cidadão acompanhe e fiscalize as verbas federais repassadas a estados e municípios, como previsto na Lei de Acesso. Com as ferramentas disponíveis no site, é fácil fazer uma busca para descobrir as transferências de recursos para um estado ou cidade. Mas os resultados surgem discriminados de forma técnica, em uma tabela que inclui Função (a área orçamentária), Ação governamental (o nome do programa), Linguagem cidadã (nome amigável de uma iniciativa) e Total no ano (o quanto foi o gasto). A disposição das informações segue a lógica dos técnicos do orçamento, não a de torná-las mais acessíveis para o público. Falta também uma preocupação em centralizar os gastos por tema. Assim, alguém poderia ver apenas quais foram as quantias destinadas para educação ou saúde, sem precisar navegar por todos os dados ou se preocupar com rubricas diferentes para gastos em uma mesma área – o que acontece, por exemplo, com o Fundeb, que está fora da rubrica “Educação”.

Informações um pouco mais detalhadas sobre repasses constitucionais e programas federais podem ser obtidas pelo site do FNDE, que traz links para páginas como a do Tesouro Nacional. Ali estão as transferências constitucionais para estados e municípios (ou seja, aquelas que são obrigatórias e previstas na constituição, não fruto de decisão de cada governo).

Há outras bases de consulta na página, mas elas são voltadas para especialistas e gestores governamentais – e inacessíveis para o público. Para Cleomar Manhas, do Inesc, a uniformização dos dados é essencial para a transparência pública. “As plataformas teriam que usar os mesmos critérios e disponibilizar as metodologias. Isso teria que ser acessível, transformado numa planilha manipulável. E aí você deixa claro nessas planilhas o que são gastos obrigatórios, repasses fundo a fundo. Se você deixa essa metodologia clara, fica fácil para quem vai acompanhar, fazer o controle social e entender quais são as suas opções, seus critérios”, afirma Cleomar.

Mesmo iniciativas alternativas criadas para facilitar o acompanhamento dos repasses do governo federal são de difícil acesso para quem não tem experiência com dados orçamentários. A mais conhecida delas é o Siga Brasil, um sistema do Senado que congrega pelo menos oito bases de dados constantemente atualizadas pelo governo. Informações orçamentárias e administrativas de cada ministério e empresa estatal estão disponíveis para consulta.

A ferramenta é usada por assessores técnicos de políticos e, desde 2004, está disponível também para toda a população. O Siga permite que você consulte as planilhas existentes, cruze dados, crie novas tabelas, gráficos, classificações e ainda torne a estética desse material mais atraente. As planilhas podem ser exportadas ou salvas no próprio sistema, usando um login de “usuário especialista”. Mas, no caso da nossa repórter, levou 6 dias para a Subsecretaria de Apoio Técnico do Senado mandar o login por e-mail. E esse não foi nem de longe o maior desafio que ela encarou.

Nossa repórter enfrenta o bicho-papão do Siga (por Giulia Afiune)

Entrei no Siga Brasil esperançosa de conseguir os dados exatos sobre verbas para educação. Mas a expectativa foi frustrada assim que a página carregou. À esquerda, uma longa lista de pastinhas com nomes indecifráveis como “PPA” e “Orçamento Fiscal e Seguridade – Execução”. Desconfiando da minha capacidade cognitiva, me perguntei: “Por onde começar?” O próprio site oferece uma apostila de 112 páginas que ensina o passo a passo para mexer na ferramenta. Topei o desafio.

Apesar de a apostila indicar o uso do Internet Explorer, o sistema funciona também no Firefox. Mas às vezes é preciso correr para fazer as consultas: a qualquer momento o sistema pode travar e é preciso começar tudo de novo. Quando tentei descobrir quanto o Ministério da Educação repassa para cada cidade-sede da Copa, encontrei um documento confuso, com informações sem classificação clara, discriminando apenas os repasses gerais para prefeituras, programas de universidades federais e escolas municipais específicas. Não era possível saber que critério foi utilizado para agrupar esses dados, nem se eles correspondiam a todos os recursos enviados pelo MEC. Quando fui tentar fazer a pesquisa de novo: erro na página.

A apostila esclarece que você precisa saber e-x-a-t-a-m-e-n-t-e o que está procurando. Para encontrar e interpretar os dados é preciso entender como funciona o orçamento, quais são os programas existentes dentro de cada área e qual é a terminologia correspondente usada pelo Siga. Nada perto da “linguagem de fácil compreensão” garantida pela lei. O site do Senado ainda tenta ajudar, disponibilizando uma seção de vídeos que explicam didaticamente como funciona o orçamento, e o do Inesc traz até um joguinho interativo.

Mas nada disso é suficiente para facilitar o uso do Siga – que, no entanto, segue afirmando na sua apostila que o sistema “promoveu a transparência orçamentária e o controle social dos gastos públicos”.

Especialistas ouvidos pela Pública consideram urgente uma maior transparência nas contas da educação. Para Daniel Cara, sem saber os valores reais dos gastos é impossível melhorar a educação. Ou seja, a falta de transparência leva a um debate no escuro e revela a falta de compromisso com o que é público. “As prefeituras deveriam respeitar um formato unificado de termos e critérios. Separar: a conta do Fundeb, uma conta para os 5% que não são aplicados no Fundeb, uma conta para o resultado da aplicação financeira do Fundeb e uma conta para o Salário-Educação. Tornar públicos, em planilhas de Excel, o saldo, a movimentação dessas contas”, diz.

Moral da história

A Pública fez um guia básico sobre os repasses federais na educação. O infográfico foi produzido com a ajuda de Salomão Ximenes, da ONG Ação Educativa, de Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e de José Marcelino de Rezende Pinto, da USP; também teve como fonte o livro Bicho de Sete Cabeças, de Madza Ednir e Marcos Bassi, lançado pela Ação Educativa em 2009. Navegue, explore e compartilhe!

Esta reportagem foi feita por Bruno Fonseca, Ciro Barros, Giulia Afiune, Jessica Mota, Maurício Moraes e Natalia Viana.

Para combater os “nãos” da Lei de Acesso

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Em novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei nº 12.527, mais conhecida como Lei de Acesso à Informação, que regulamenta a sistematização de informações públicas e o acesso do cidadão a essas informações.

A lei representa um grande avanço na democratização de informação e na transparência governamental brasileira. Mas de 2011 até agora, a LAI ainda engatinha em direção à sua correta aplicação. Seja pela demora nas respostas e adiamentos de prazos, seja pelas recusas sem fundamentos legais, a lei nem sempre tem servido a seu propósito (a reportagem “Pergunte à PM” retrata um pouco dessa realidade).

Foi por isso que Tulio Padilha, graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina e servidor público federal, escreveu à lista de e-mails formada pelos apoiadores do Reportagem Pública. Ele deu algumas dicas de como proceder a partir das recusas dadas pelos órgãos e esclareceu alguns pontos legais que devem ser cumpridos – e nem sempre são. Vale a pena ler:

Ando lendo algumas reportagens da Agência Pública, e notei muitas ocorrências, em reportagens do especial “Reportagem Pública”, de entidades públicas que se recusam a fornecer informações (públicas) a jornalistas, apesar de solicitadas com base na lei de acesso à informação.

Em razão disso, fiz uma rápida pesquisa para propor algumas ações que podem ser feitas para corrigir esses “desvios” das entidades. Podem não surtir efeitos a tempo de concluir cada reportagem, mas entendo que se jornalistas desejam realmente que a lei de acesso à informação comece a funcionar devem exercer seu direito de reclamar da má conduta de alguns administradores. E devem saber fazer reclamações com alguma competência argumentativa e para a autoridade correta, que é o Ministério Público. Afinal, se o administrador mal intencionado decide que a vontade do legislador, ou seja, o povo, não vale nada, e frustra a publicidade da informação pública, e ninguém faz nada, a lei de acesso jamais terá utilidade. O administrador ruim pode responder por suas faltas, e quem tem poder e dever de processá-lo, na maioria das vezes, é o MP. Mas o MP deve ser comunicado das faltas para que possa agir.

Vejo que a maioria das negativas de fornecimento de informação é mal fundamentada ou é fundamentada em sigilo. O Art. 4º da Lei 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), no inciso III, estipula que sigilosa é (SOMENTE) a informação imprescindível para a segurança da SOCIEDADE e do ESTADO. Não é a informação que possa prejudicar o administrador que deve ser protegida. Aliás, nem mesmo a Administração Pública é protegida por regras de sigilo, mas sim o Estado. Devemos ter sempre em mente a diferença entre Estado-Administração e Estado-Nação. O sigilo só protege o segundo. A própria lei estipula as hipóteses em que se deve proteger a informação. Elas são as mencionadas no art. 23 da lei e dificultam o administrador mal intencionado, que pode tentar dar seu próprio conceito de “segurança da sociedade e do estado”. Recomendo a leitura das hipóteses

Para que se alegue sigilo, há que haver fundamentação. Não basta dizer que a informação é sigilosa. Deve-se indicar a pessoa (administrador) que determinou que a informação seja sigilosa, e ainda, deve-se indicar o dispositivo legal que fundamenta o sigilo. Também é necessário indicar o grau de sigilo. Afinal, o art. 24 da lei de acesso à informação diz que, mesmo sigilosas, as informações devem ser divulgadas após 5 anos, se reservadas, 15 anos, se secretas, e após 25 anos, se ultrassecretas. É obvio que também se deve informar a data de produção da informação que se quer esconder. O decreto que regulamenta a lei de acesso à informação determina até mesmo que a resposta negativa deve fornecer instruções para solicitar a desclassificação da informação. Não é necessário lembrar que, apesar de referido decreto não ser aplicável às administrações estaduais e municipais, fato é que, primeiro: o dever de fundamentar decorre do art. 37 da constituição, e do art. 4º e 23 da lei de acesso à informação; segundo: a ausência de qualquer fundamentação, ou o silêncio por mais de 20 dias pode implicar ato de improbidade administrativa; terceiro: é muito difícil crer que existam informações guardadas por qualquer estado federativo ou município que, de fato, traga risco à segurança da sociedade e do Estado. Novamente, não podemos confundir “estado” com “Estado”. Quando escrevemos com letra minúscula, referimo-nos ao ente federativo. Quando escrevemos em maiúscula, referimo-nos ao Estado-Nação, ou seja, à República Federativa do Brasil. Quando o art. 23 da Lei nº 12.527/2011 grafa “Estado” com letra maiúscula, certamente não se refere ao governo do Estado de São Paulo, nem a qualquer ente federativo. Refere-se, sim, à República Federativa do Brasil. Para qualquer pessoa formada em Direito, isso tudo é muito fácil e óbvio, por isso deve-se suspeitar de promotores de justiça (no caso do MP estadual) e de procuradores da república (no caso do Ministério público Federal) que acolham o papo furado de alguns administradores sobre informação sigilosa, “segurança nacional” etc. Também é possível reclamar contra esses agentes públicos, pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Quando a pessoa que responde à solicitação não fundamenta a negativa, ou demora mais de 20 dias, ou não dá fundamentação completa, pode estar agindo de má-fé, e se assim for, sua omissão pode ser, no mínimo, um ato de improbidade. A lei 8429/92 (de improbidade), em seu art. 11, diz que é ato de improbidade qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, principalmente negar publicidade aos atos oficiais (inciso IV). Há diversas penalidades previstas, dentre elas a perda da função pública, e pagamento de multa até 100 vezes o salário. A própria lei 12.527/2011 prevê algumas condutas e penalidades no art. 32, e remete expressamente à lei de improbidade o tratamento dos demais casos.

A lei da transparência obriga até mesmo empresas como o Banco do Brasil de prestar informações. É o que está escrito no art. 1º, inciso II da lei 12.527/2011.

Continuando, o art. 6º estipula que devem ser “protegidas” as informações sigilosas e pessoais. As pessoais são aquelas que dizem respeito a pessoas físicas identificadas ou identificáveis. Há diversos governos estaduais revelando informações sobre segurança pública. Três exemplos são acessíveis aqui aqui e aquiSe eles conseguem proteger informações pessoais, nessas divulgações, sem frustrar a publicidade de seus dados públicos, podemos concluir que, muito provavelmente, age de má-fé, também, quem se nega a responder informações públicas alegando proteger a identidade de pessoas. A lei não protege pessoas jurídicas e, mesmo ao proteger informações de pessoas físicas, não veda a divulgação de informações: apenas exige que dados pessoais sejam protegidos. Se algum documento contiver, de fato, informações pessoais, deve o administrador, ao responder a solicitação, riscar, ou de qualquer forma esconder a identidade das pessoas, divulgando as demais informações do documento. Caso tudo isso não seja possível, deve o administrador negar a informação, fundamentando de forma clara e convincente a decisão de não prestar a informação. Ao não fazer isso, pode, também, responder por improbidade.

Negar informação porque o solicitante não explicou o motivo também é vedado pelo § 3º do art. 10 da lei de acesso à informação, e pode levar à responsabilização de quem negar o pedido, ou de quem o ordenou que se negasse.

Ao negar o pedido, a própria negativa deve conter informações sobre como recorrer da decisão e sobre o prazo. A ausência dessa informação também deve ser comunicada ao Ministério Público, para que este possa tentar a responsabilização do agente público por improbidade. É o que diz o art. 11, § 4º.

Cabe recurso da negativa. O prazo é 10 dias, deve ser dirigido ao superior hierárquico imediato de quem negou o pedido, e este deve analisar o recurso e se manifestar em 5 dias. Deve o solicitante compreender o mínimo sobre o órgão para quem solicita a informação, para ter noção de quem deve analisar o recurso, e assim, direciona-lo corretamente. Provavelmente o próprio sistema eletrônico de solicitação de informações facilite este processo, mas é interessante que o solicitante compreenda a distribuição de responsabilidades, para se proteger da eventual ineficiência do sistema.

Como reclamar

Teoricamente, o Ministério Público é “uno”, ou seja, reclamar no órgão errado não leva ao simples arquivamento da reclamação, mas para poupar o trabalho de se remeter a reclamação para o órgão correto, é interessante respeitar, principalmente, dois critérios.

O primeiro critério é a divisão federativa. Se a pessoa que nega a prestar a informação é servidora ou empregada de uma instituição da administração direta federal (ministério do Planejamento, por exemplo), ou de autarquia federal (ANATEL, por exemplo), ou empresa pública federal (ECT, por exemplo), ou sociedade de economia mista federal (Banco do Brasil, por exemplo), enfim, quando se tratar de ente federal, deve ser comunicado o ministério público federal. Este possui um formulário unificado para reclamações vindas de qualquer parte do Brasil. O endereço é este, mas no momento que eu escrevia isto, ele estava fora do ar. Os endereços para comparecimento pessoal podem ser consultados aqui.  

Caso a informação tenha sido negada por autoridades estaduais ou municipais são os Ministérios Públicos dos estados que devem ser acionados para analisar se a autoridade agiu de má-fé. É sempre bom pesquisar, em cada estado, se há formulários para reclamações on-line, no site de cada MP. Os sites de cada MP podem ser consultados no Google com as expressões “Ministério Público do Estado de…”, completando com o nome do estado. Se os sites forem bons, terão os endereços e telefones para se informar sobre como reclamar.

O segundo critério a observar é o endereço da autoridade. Normalmente as pessoas tem o direito de serem rés em ações em seu próprio domicílio. Pode ser que as autoridades do MP entendam que, em razão disso, quem tem o dever de investigá-los é o agente do MP que trabalha no mesmo município onde reside a autoridade. Assim, caso resolva reclamar por formulário eletrônico, prefira o do site do MP do estado onde reside a autoridade que negou o pedido, ou se for remeter a reclamação por carta, remeta para o endereço do MP da comarca onde reside a autoridade. Mais uma vez, nada impede de comparecer pessoalmente ao órgão do Ministério Público mais próximo e solicitar providências. A reclamação pode ser encaminhada para a autoridade correta.

Ao reclamar, o jornalista deve ser claro quanto à informação que deseja receber e o que houve. Deve ter registro da solicitação, com data do protocolo, etc. Deve evitar apontar irregularidades. Se o agente público cometeu alguma irregularidade é o MP quem vai dizer. O jornalista deve trazer apenas fatos. Por exemplo, “pedi tal, o prazo venceu dia tal, e até agora não tenho a informação”, ou “pedi cópia do convênio tal e responderam simplesmente que é sigiloso, sem maiores esclarecimentos sobre quem determinou o sigilo, nem a espécie de sigilo, nem seu prazo”. Evite dizer “fulano cometeu ato de improbidade”. É melhor dizer que “cabe ao MP decidir se a negativa mal fundamentada é um ato de improbidade”. Restrinja-se aos fatos, deixe a interpretação jurídica ao MP. Explique quais requisitos para uma fundamentação válida você entende que o administrador descumpriu, mas deixe para o MP resolver se ele é improbo, ou se cometeu algum crime para acobertar alguma situação. Procure recorrer das decisões de negativas, antes de procurar o MP. Guarde os nomes de todas as pessoas que participaram do processo decisório. Identifique todas, quando reclamar. De preferência nomes e cargos/funções. Guarde cópias de e-mails, comunicações etc. Entregue a documentação toda ao MP. E tenha sempre em mente que as autoridades tem prazos para prestar informações. O prazo é 20 dias, prorrogável por mais 10. A prorrogação, claro, deve ser comunicada.

As informações aqui estão longe de serem completas ou definitivas, mesmo porque escrevi bem rapidamente, portanto qualquer contribuição será bem vinda para somar mais informações ao presente. Lutar pela aplicação da lei de acesso à informação não vai fazer as reportagens passadas, e nem as que estejam em produção, sejam completas, mas pode permitir que  reportagens que ainda nem foram idealizadas sejam mais completas que as de hoje. Se o jornalista pede uma informação, não recebe, e nada acontece, tudo leva a crer que futuramente vamos continuar sem receber informação completa das autoridades.

Um novo banco para um velho desenvolvimento?

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Desde o dia 15 de julho existe um novo banco na praça do sistema financeiro internacional.

O Novo Banco de Desenvolvimento, como batizado, foi criado na VI Cúpula dos BRICS, realizada em Fortaleza, no Ceará, com a presença dos presidentes dos cinco países integrantes do bloco. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (que formam o acrônimo da sigla) oficializaram assim a até agora maior ação da coalização – que desde 2009 se articula com o objetivo de intervir no cenário político e econômico internacional.

Lançado como uma alternativa ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, o Novo Banco de Desenvolvimento deverá, a partir de 2015, financiar projetos de infraestrutura nos países dos BRICS e em outras nações emergentes parceiras, diminuindo assim a dependência destes às outras duas instituições financeiras, ambas criadas no pós-guerra e desde então dominadas por Europa e Estados Unidos. Atualmente os BRICS já somam 20% do PIB global.

A criação do novo banco foi saudada pelos setores econômicos dos cinco países. As organizações das sociedades civis dos BRICS, que representam 40% da população mundial, no entanto, não foram ouvidas. Durante evento paralelo à cúpula oficial, realizada em Fortaleza, ativistas, integrantes de organizações não governamentais e de comunidades afetadas por atividades econômicas como a mineração debateram os riscos e oportunidades trazidos pelo novo banco.

Nos depoimentos e avaliações de integrantes do evento paralelo, também realizado em Fortaleza, a participação social é vista como crucial para aprofundar o intercâmbio entre as sociedades e evitar que o bloco sirva apenas aos interesses econômicos, acirrando ainda mais os impactos sociais e ambientais do atual modelo de desenvolvimento econômico.

Veja o vídeo com entrevistas de representantes dos cinco países integrantes da coalização.

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Sabesp se nega a publicar contratos de empresas que mais consomem água

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Embora a Lei de Acesso à Informação (LAI) determine, já no seu primeiro artigo, que toda a administração pública está sujeita a ela, incluindo “autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades” a Sabesp parece se considerar uma exceção.

Desde dezembro do ano passado, nossa reportagem pede, através da LAI, os contratos de Demanda Firme assinados pela Companhia de Saneamento com cerca de 500 empresas para o fornecimento de altos volumes de água. Juntas, elas consomem, em média, 1,9 milhão de m³/mês.

Agora, em resposta ao recurso da reportagem a Sabesp alega que as empresas têm direito à privacidade como as pessoas, este estabelecido pelo artigo 5º da Constituição. “A pessoa jurídica goza das garantias relativas à privacidade, garantindo-lhe o direito a segredos comerciais, fórmulas e métodos que lhe pertencem reservadamente, constituindo os elementos que compõem sua esfera privada”, defende a empresa na resposta (leia a íntegra aqui).

Para a advogada da organização Artigo 19, Karina Quintanilha, a comparação não tem respaldo legal. “O direito à privacidade, assim como o direito à informação, é um direito humano e tem certos critérios para ser aplicado. Não existe direito à privacidade de uma empresa, de pessoa jurídica”. Segundo ela, a posição da Sabesp não leva em conta a sujeição da empresa à Lei de Acesso. “A regra é o acesso à informação, a abertura dos documentos públicos e contratos. A exceção é o sigilo, e somente nos casos previstos na lei, nenhuma outra hipótese seria possível. Como a Sabesp é uma sociedade de economia mista, está enquadrada no artigo primeiro, não tem como fugir disso”.

A Sabesp também alega risco de prejuízo às empresas contratantes. “As informações solicitadas que se referem a um dos segmentos de mercado atendido pela Sabesp, podem apresentar uma vulnerabilidade, tais como perdas financeiras e ameaças à realização de seus objetivos”. Mas esse argumento também não se justifica, segundo a advogada. “Estamos falando de contratos públicos já que a empresa por vontade própria estabeleceu uma relação jurídica com um órgão público. A partir do momento em que ela firmou esse contrato de demanda firme com a Sabesp, [o contrato] está sujeito à lei da transparência”. Para ela, a disponibilidade de contratos dessa natureza é fundamental “para que se tenha acesso à forma como esses órgãos administram os recursos públicos – no caso, a água”.

Na mesma resposta, a Sabesp menciona o Artigo 29 do decreto 58.052, que regulamentou a LAI no Estado de São Paulo, e determina: “O disposto neste decreto não exclui as demais hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça nem as hipóteses de segredo industrial decorrentes da exploração direta de atividade econômica pelo Estado ou por pessoa física ou entidade privada que tenha qualquer vínculo com o poder público”.

Segundo Karina, para que exceção pudesse ser feita teria que haver uma ação prévia da empresa nesse sentido. “[A Sabesp] deveria previamente classificar o sigilo, se fosse o caso, de acordo com a LAI. No caso do pedido sobre os contratos de demanda firme, caso existisse alguma informação protegida pelo sigilo industrial eles teriam que apresentar o registro disso. Mas essa é uma hipótese muito improvável já que o sigilo industrial ocorre quando tem alguma ‘fórmula’ da empresa a ser protegida por exemplo” explica.

Foto: Mídia NINJA

Sistema cantareira, em seca. Foto: Mídia NINJA

Precedente negativo

Em um caso similar, o TRF da 2ª Região decidiu favoravelmente ao pedido do jornal Folha de S. Paulo para obter “relatórios de análise” de contratos firmados pelo BNDES. “Não há como acolher a tese de que o BNDES exerceria suas atividades de maneira idêntica às instituições financeiras privadas, sob o regime de direito privado, de modo a isentá-lo da fiscalização de toda a sociedade brasileira”, argumentou o juiz. E ainda acrescentou que “(…) os ‘Relatórios de Análise’ objeto do presente mandamus [ação judicial] são documentos produzidos pelo Órgão da Administração Indireta e que versam sobre utilização de recursos públicos, enquadrando-se, portanto, perfeitamente nas disposições da Lei de Transparência”.

Agora a reportagem da Pública recorreu à segunda instância, que é a Corregedoria-Geral da Administração (CGA), e está aguardando a resposta. Para Karina, se a tese da Sabesp for acatada pela CGA, pode abrir um precedente perigoso, “justamente porque através desses documentos de contratos é que a gente consegue informações precisas sobre as negociações estabelecidas ente empresas e o poder público”, explica.

“A Sabesp está colocando o segredo industrial como um princípio maior, acima do direito à informação. Isso levaria com certeza a um precedente muito negativo para a liberdade expressão e o acesso à informação”, diz a advogada da Artigo 19.

A Sabesp já foi alvo de críticas da organização, que monitora a aplicação da LAI no país, em um relatório publicado em dezembro sobre a crise do sistema Cantareira. De sete pedidos feitos à Companhia, nenhum foi respondido. “A gente entende que justamente nesse momento de crise é essencial garantir a transparência. É isso que vai possibilitar que a sociedade possa participar das decisões, e elas podem se continuamente monitoradas e acompanhadas pelas pessoas que são as mais afetadas”, completa Karina.

Contratos estimulam o consumo de água

Os contratos de demanda firme estão no centro da discussão sobre as políticas adotadas pela Sabesp nos últimos anos. Eles começaram a ser usados em 2002 pela Sabesp como forma de “fidelizar” clientes do comércio ou indústria que têm grande consumo de água. Em 2010, o contrato passou a valer para clientes que consomem acima de 500m³/mês. Empresas como a General Motors do Brasil, o aeroporto de Congonhas, a SPTrans, o Jockey Club de São Paulo, a Ford Brasil e a Universidade Metodista  já assinaram contratos dessa modalidade, garantindo um desconto que pode chegar a ate 40% do valor pelo alto consumo de água.

O programa prevê um consumo mínimo de água. Se o cliente consumir menos, pagará o valor completo de todo jeito. Se ultrapassar a quantidade acordada, paga a diferença. Ou seja, a empresa é penalizada se economizar, e é instada a usar mais água, já que pagará de qualquer forma. Outro problema nesse tipo de contrato é que a Sabesp exige exclusividade de fornecimento. Uma reportagem do Valor Econômico mostrou que um centro comercial na zona oeste de São Paulo foi forçado a abandonar dois poços artesianos para receber apenas água da Sabesp, em troca do desconto na conta.

As taxas cobradas não estão disponíveis no site da Sabesp. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa afirmou apenas que “cada contrato tem sua característica própria” e “as informações são confidenciais”. De acordo com os dados do Plano Estadual de Recursos Hídricos 2004-2007, o setor industrial respondia por 30,4% do consumo de água no estado.

A Sabesp finalmente reviu essa obrigação de consumo mínimo em março do ano passado, depois do agravamento da crise hídrica. Em 29 de dezembro, durante uma audiência na Arcesp, chegou a anunciar a intenção de isentar os clientes dos contratos de demanda firme da sobretaxa dos consumidores que aumentarem o consumo em relação à média do ano anterior – afinal liberada pelo TJ para vigorar neste janeiro. Depois da repercussão negativa já no dia seguinte nos jornais, as grandes clientes foram incluídas na sobretaxa. Mas os descontos previstos pelos contratos de demanda firme continuam a vigorar.

Para Marussia Whately, coordenadora da Aliança pela Água, coalizão de organizações da sociedade civil, esses contratos não levam em conta que a água é um bem escasso e é muito importante que sejam conhecidos pela população. “Muitas vezes os contratantes são prestadores de serviços para as pessoas, como supermercados, academia de ginásticas; com a crise há um interesse ainda maior em relação a como a água é consumida”. Além disso, ela destaca que “a postura da Sabesp e do governo do Estado, de ausência de informações claras e de canais mais amplos de diálogo com a sociedade, até contribuiu para piorar a crise”.

Corregedoria determina que Sabesp entregue contratos de empresas

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Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira, durante crise hídrica que atinge o estado de São Paulo. Foto: Mídia NINJA

Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira, durante crise hídrica que atinge o estado de São Paulo. Foto: Mídia NINJA

A caixa-preta da Sabesp começa a ser aberta. Na última terça-feira, dia 27 de janeiro, o Corregedor-Geral da Administração estadual, Gustavo Ungaro, deu razão ao recurso da reportagem da Agência Pública e determinou que a companhia entregue os contratos de demanda firme, segundo pedido feito através da Lei de Acesso à Informação (LAI) em dezembro do ano passado.

Os contratos de demanda firme são assinados entre a Sabesp e empresas que consomem acima de 500 metros cúbicos de água por mês. Adotados a partir de 2002, eles estabelecem que a empresa deve consumir uma quantidade mínima de água em troca de descontos de até 40% na conta. Além disso, as empresas têm que abandonar outras fontes de abastecimento de água para se “fidelizar” ao serviço da Sabesp. Existem cerca de 500 contratos do tipo com empresas como a Ford Brasil, Jockey Club Paulista e a General Motors do Brasil; juntas, elas consomem cerca de 1,9 milhão de metros cúbicos de água por mês. A obrigatoriedade de consumir a cota cheia só foi suspensa pelo governo em março do ano passado, quando a crise hídrica já atingia o estado.

A Sabesp, no entanto, negou duas vezes o acesso a esses contratos, alegando que eles estariam protegidos pela mesma regra que garante o direto de privacidade de informações pessoais. A companhia também argumentou que a publicação dos contratos poderia ser “um risco estratégico para o negócio”.

Saiba Mais: Sabesp se nega a publicar contratos de empresas que mais consomem água

A Corregedoria, porém, deu razão ao pedido da reportagem: “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz o parecer técnico elaborado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da CGA.

A CGA reitera ainda que a Sabesp está sujeita à LAI, já que sociedades de economia mista são citadas logo no primeiro parágrafo da lei. “A clareza do dispositivo dispensa maiores questionamentos acerca de sujeição da Sabesp aos regramentos trazidos pela Lei de Acesso à Informação, razão pela qual se recomenda seja rechaçada qualquer argumentação contrária”, diz o documento.

Privacidade de pessoas não vale para empresas

Segundo a decisão do corregedor, o direito à privacidade de informações pessoais se restringe a “pessoa natural identificada ou identificável” como descreve a LAI, “sendo descabida a possibilidade de aplicação desta hipótese no caso de informações relativas a pessoas jurídicas”. Portanto, apenas as informações pessoais podem ser negadas.
A decisão baseia-se numa análise feita pela Controladoria Geral da União em junho de 2014 diante da recusa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em divulgar notas fiscais de produtos e serviços automotivos nos anos de 2011 a 2013: “A lei 12527/2011 não estende o conceito de informação pessoal às pessoas jurídicas”, avaliou a CGU.

O parecer elaborado pela Corregedoria estadual é cuidadoso ao examinar os dois argumentos para avaliar até que ponto a sociedade tem o direito de ter acesso a informações sobre os serviços prestados pela Sabesp. “De um lado, a Sabesp enquanto fornecedora do serviço mantém a preocupação quanto à informações de seus contratantes. De outro, o evidente interesse da sociedade em saber como uma sociedade de economia mista, cujo poder público mantém sua participação, vem atuando no mercado hídrico”. “Mas”, prossegue o documento, “não há como negar interesse coletivo que envolve as informações objeto do pedido de acesso, quer por envolver a atuação de uma sociedade de economia mista quer por ter por objeto a administração de um bem público: a água.”

O corregedor Gustavo Ungaro apoia as conclusões do parecer técnico lembrando que tanto a LAI quanto o decreto estadual 58.052/2012, que regulamentou a lei no estado, determinam a publicidade de todas as informações detidas pela administração pública como regra; as exceções devem ser permitidas apenas quando justificadas e amparadas pela lei.

Não é o caso dos contratos de demanda firme, já que estes não possuem cláusulas protegidas por lei ou por decisão judicial. “Tampouco há evidência de violação de segredo industrial no caso em tela”, afirma o corregedor.

Ele ressalva que dados protegidos, tais como números de contas bancárias, podem ser tarjados nos documentos a serem entregues. E finaliza: “Conheço e dou provimento ao recurso em análise, determinando que seja imediatamente propiciado o acesso demandado, com as cautelas de praxe”.

Clique aqui para baixar a decisão da CGA na íntegra.

A Sabesp foi notificada no mesmo dia. Resta saber se agora ela cumprirá a lei.

Karina Quintanilha, da Artigo 19, ONG que defende o direito à informação, acha a decisão da CGA muito positiva pois reforça o direito humano à informação e não deixa dúvidas quanto a sujeição da Sabesp à LAI. “É um precedente muito importante nesse momento em que se faz essencial garantir transparência sobre tudo que envolve a gestão da água”.

Agora, a Sabesp tem 30 dias para entregar os contratos, que serão analisados pela equipe da Agência Pública para uma reportagem.

“Esperamos que essa decisão impulsione uma mudança de cultura dentro da Sabesp a fim de que respeite a Lei de Acesso a Informação e que o acesso à informação se torne a regra”, conclui Karina.


Sabesp desobedece Corregedor e não entrega contratos de demanda firme

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A determinação do Corregedor-Geral da Administração Estadual, Gustavo Ungaro, proferida no dia 26 de janeiro, foi clara: “dou provimento ao recurso em análise, determinando que seja propiciado o acesso demandado”. Ungaro deu razão ao recurso da reportagem da Pública que desde dezembro tenta ter acesso aos contratos de demanda firme assinados entre a Sabesp e grandes consumidores de água nos últimos dez anos. Os contratos garantem descontos de até 75% na tarifa da água para clientes comerciais e industriais – quanto maior o consumo médio, maior o desconto – e os obriga ao uso de uma cota mínima por mês, além de exigir o consumo exclusivo da água da Sabesp. Na prática, esses contratos inibem alternativas de abastecimento por parte das empresas como o reuso da água e a utilização de poços artesianos.

O Corregedor deu 30 dias de prazo para a Sabesp enviar os contratos à reportagem da Pública. No dia 26 de fevereiro, em flagrante descumprimento à decisão, o Departamento de “Gestão de Crises” da Sabesp – que cuida internamente dos pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) – enviou a sua resposta. Em vez de mandar as cópias dos contratos reais, foi entregue apenas um “modelo” genérico acompanhado de uma planilha com dados parciais: nem o nome das empresas – identificadas apenas como “cliente número 1, 2, 3” – nem os valores das tarifas contratadas estão disponíveis.

“A Sabesp disponibiliza, em planilha anexa, as informações relativas aos contratos de demanda firme, sem, todavia, nominar seus clientes, em respeito à relação que mantém com os mesmos, como já pronunciado anteriormente, sendo relevante destacar que é amplamente favorável à promoção da transparência, não podendo, todavia, em nome deste princípio, se sobrepor aos demais direitos garantidos pelo Estado ao cidadão, notadamente os de caráter fundamental, como é o caso do direito à privacidade de nossos clientes”. Essa foi a explicação da empresa ao enviar os dados, apesar do Corregedor ter afirmado em sua decisão que considera “descabida a possibilidade da aplicação desta hipótese [de proteção à privacidade] no caso de informações relativas a pessoas jurídicas”.

Leia Mais:  Mesmo com crise, Sabesp assinou mais 30 contratos de demanda firme

Contraste. Foto: Mídia NInja

Contraste. Foto: Mídia NInja

A determinação do Departamento de Assuntos Jurídicos e Disciplinares da CGA, que embasou a decisão do Ungaro, é ainda mais clara quanto à legitimidade do pedido feito pela reportagem: “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme, mesmo com  a restrição acima [número de contas bancárias] permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico. Afinal, de posse de tais contratos e adendos será possível apurar todas as demais informações objeto do pedido inaugural”. Veja aqui a decisão completa.

“O que a gente vê é que, com base em um certo desconhecimento generalizado do uso da lei, os órgãos omitem dados que não seria necessário omitir. E se valem muitas vezes de um amparo legal que não é real. A pergunta que fica é: qual o prejuízo que haveria para a Sabesp divulgar esses nomes?”, diz Carlos Thadeu de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, que tem feito diversos pedidos de acesso a dados da Sabesp sobre a falta de água em São Paulo. “A própria Lei de Acesso à Informação diz que é uma conduta ilícita ocultar total ou parcialmente informação que se encontra sob a guarda do agente público. Não pode simplesmente a Sabesp negar acesso a um dado por seu desejo ou conveniência”, explica.

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De volta à Corregedoria

A reportagem comunicou ontem à CGA o descumprimento da decisão e agora aguarda um posicionamento do Corregedor. Dentre as medidas cabíveis, ele pode autuar a presidência da Sabesp, enviando ofício de notificação do descumprimento da decisão, ou até determinar que se apure a responsabilidade de quem negou o acesso, já que se trata de descumprimento da lei. O próximo passo será recorrer à a Comissão Estadual de Acesso à Informação, instância máxima na avaliação do cumprimento da LAI por parte dos órgãos públicos estaduais.  Se ainda assim a Pública não obtiver a resposta da Sabesp, a solução será apelar para a Justiça.

“Após quase três anos de vigência da LAI, temos observado muitas decisões judiciais favoráveis ao acesso à informação e à transparência”, avalia Karina Quintanilha, advogada da organização Artigo 19, que defende a liberdade de expressão. “Consideramos que o pedido de informação feito à Sabesp trata-se de um caso emblemático e seus desdobramentos podem ter um impacto muito importante para a garantia da LAI no Brasil”.

Leia a resposta da Sabesp:

Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos

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O volume de água garantido a empresas que assinaram contratos de demanda firme com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) aumentou 92 vezes em dez anos. Segundo dados revelados a partir do pedido de acesso à informação feito pela Pública, em 2005 foram reservados 266 milhões de litros para oito clientes. Em 2014 foram 24 bilhões de litros, destinados a 526 grandes consumidores. Os contratos estabelecem uma tarifa reduzida para aqueles que se comprometerem a pagar por um determinado volume mensal mínimo.

Infográfico-8

Os 24 bilhões de litros que a Sabesp reservou para empresas no ano passado são equivalentes ao consumo de 404.040 pessoas em um ano, ou 101 mil famílias. O cálculo leva em conta o consumo médio de 166,3 litros por dia de cada brasileiro, identificado em 2013 pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. É uma população um pouco maior do que a da cidade de Jundiaí (397.965 habitantes), de acordo com a estimativa populacional para 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).  Outros grandes clientes, que assinaram seus contratos antes de 2005, estão fora dessa estimativa por não constarem na tabela.

Leia também: Sabesp desobedece Corregedor e não entrega contratos de demanda firme

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A quantidade de empresas que assinaram contratos de demanda firme com a Sabesp aumentou rapidamente a partir de 2007. Entre 2005 e 2007, a companhia conseguiu 23 clientes. Na época, era necessário pagar por pelo menos 5 milhões de litros mensais. Com o objetivo de aumentar o número de consumidores, esse limite foi baixado para 3 milhões de litros mensais em 2007. A medida resultou em 40 assinaturas de contrato só em 2008, quase o dobro da soma dos três anos anteriores.

Em 2010, a Sabesp baixou o volume mínimo para 500 mil litros, com a anuência da Arsesp, a Agência Reguladora do Saneamento e Energia do Estado de São Paulo. Isso levou o número de novos contratos a disparar em 2011 e 2012, com 106 e 129 assinaturas, respectivamente. Houve retração em 2013 (69 clientes), mas os contratos continuaram a ser renovados.

Consequência da política adotada, uma característica do sistema é a concentração do uso. Em 2014, as 10 empresas que mais consumiram água foram responsáveis por uma demanda de 5 bilhões de litros. Juntas, essas 10 empresas consumiram mais que outras 367 empresas com menor consumo.  Esses dados revelam uma concentração no consumo de água. O gasto de 1% das empresas mais consumidoras é equivalente ao gasto de 60% das empresas que menos consomem.

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Mesmo com crise, 30 contratos foram assinados desde março de 2014

Ainda se sabe muito pouco sobre os controversos contratos de demanda firme, que estão no centro do debate sobre a gestão da Sabesp sobre os recursos hídricos do estado. A companhia se nega a dar detalhes, chegando a descumprir uma determinação do Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro para que divulgasse a íntegra dos contratos (saiba mais).

Porém, os dados parciais obtidos pela Pública após a decisão de Ungaro são eloquentes. Revelam, por exemplo, que a Sabesp não deixou de assinar tais contratos no ano passado, como informou ao jornal Estado de S Paulo. Foram 42 contratos assinados em 2014, 30 deles a partir de março. Juntos, eles se referem ao consumo de 1,8 bilhão de litros de água e foram os maiores responsáveis pelo aumento de 5,4% no consumo anual de água reservado a empresas com desconto nos preços.

 

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Em março, quando a crise no abastecimento de água já era uma realidade, a Sabesp suspendeu duas condicionantes importantes desse tipo de contrato: a exigência de que as empresas consumam um volume mínimo de água por mês (elas eram obrigadas a pagar por esse mínimo, usassem ou não a água) e de que se “fidelizassem” ao sistema Sabesp, abandonando o investimento em reuso ou em fontes alternativas de água. “Acreditamos que este esquema de tarifas ajudará a impedir que nossos clientes comerciais e industriais optem por passar a recorrer ao uso de poços privados”, explicou a companhia no último relatório a investidores.

Todos os contratos assinados a partir de março, porém, mantiveram os descontos que resultaram em tarifas menores do que as cobradas de clientes comerciais e industriais que não possuem esses acordos. Entre eles, dois contratos com vigência de 5 anos para fornecimento de 20 milhões de litros mensais: assinados em 30 de abril e em 11 de agosto. Em novembro, quando a presidente da Sabesp já havia reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, foram assinados três novos contratos. O maior deles, para o fornecimento de 3,8 milhões de litros de água por mês, com vigência de 5 anos, foi assinado logo no dia primeiro de novembro. O valor do contrato é de R$ 4,4 milhões. Outro contrato, de R$ 145 mil para o fornecimento de 1 milhão e 100 mil litros de água, foi assinado no dia 5/11; e o último foi no dia 11/11, para o fornecimento de 500 mil litros de água, no valor de R$ 140 mil.

Além dos novos contratos, a Sabesp renovou todos os cerca de 500 contratos que já existiam – a maioria deles tem vigência de um ano. São tão vantajosos para as empresas que, segundo os dados obtidos, apenas uma delas suspendeu o contrato desde 2005. A quantidade de água usada, no geral, por esses consumidores desde 2005 jamais deixou de aumentar.

Consumo em alta

Apesar da falta de água nas casas dos paulistas, 41% das 526 empresas com contratos de demanda firme tiveram o mês de mais alto consumo registrado em 2014. A empresa recordista no ano passado gastou 126 milhões de litros em abril, o triplo do volume mínimo requerido pela Sabesp.

O maior contrato de demanda firme assinado pela Sabesp entre 2005 e 2014 é de R$ 40,3 milhões, pelo fornecimento de 54 milhões de litros mensais. O documento foi firmado em 1º de junho de 2011 e cobre um período de dez anos, ou seja, vai até 2021. Já o contrato com maior quantidade de água reservada para uma empresa, 59,5 milhões de litros mensais, com vigência anual, tem valor de R$ 2,4 milhões. Foi assinado em 18 de dezembro de 2006. Nenhum dos dois foi descontinuado.

Dentre os contratos assinados nos últimos dez anos, as dez maiores consumidoras, juntas, usaram 25,2 bilhões de litros de água. A maior parte dos contratos foi assinada a partir de 2008, e a tendência foi de aumento de consumo a cada ano, como se vê no gráfico abaixo. Em 2014, seis das dez empresas reduziram seu consumo de água após a suspensão da obrigatoriedade de consumir uma quantidade mínima de água – prova que a “demanda firme” de fato alavancava o consumo.

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assinatura

Considerando o valor do contrato dividido pela água disponibilizada por mês, as tarifas dos dez maiores consumidores vão de R$ 3,43 a R$ 10,35. Mas nem sempre é possível descobrir a tarifa aplicada a cada empresa. Isso ocorre porque o preço do metro cúbico é calculado a partir de uma fórmula matemática, que leva em conta a média consumida nos doze meses anteriores pelo cliente – dado que só está disponível nos contratos, que não foram fornecidos pela companhia. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Sabesp afirmou apenas que “cada contrato tem sua característica própria” e “as informações são confidenciais”.

Segundo reportagem do El País, entre os maiores consumidores da capital paulista estão empresas como os shoppings Eldorado, Pátio Higienópolis e Villa Lobos, a TV Globo e os clubes Pinheiros e Hebraica, que recebem um desconto de 55% no valor pago por cada mil litros de água (R$ 6,27), enquanto o clientes comerciais pagam R$ 13,97 a cada mil litros.

Não foi possível, ainda, descobrir a identidade das empresas que mantêm esses contratos a partir de uma comparação com a tabela publicada pelo jornal espanhol. Os volumes de demanda firme contratados por mês são completamente diferentes em cada um dos documentos. Há também uma diferença no número de consumidores com contratos assinados a partir de 23 de junho de 2010. Na tabela do El País, são 294. Na que foi enviada para a Pública, 404 contratos.

Os dados usados nesta reportagem – baixe a tabela completa aqui –  foram obtidos através de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação em dezembro do ano passado. Falta, ainda, a divulgação dos contratos segundo decisão do Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro. Agora, a Agência Pública vai recorrer à Comissão Estadual de Acesso à Informação.

 Como é um contrato de demanda firme

Em vez de divulgar os contratos assinados com empresas, a Sabesp enviou à reportagem um modelo de contrato de demanda firme. Uma rápida leitura permite ver como esses contratos impulsionaram o consumo de água tratada da Sabesp nos últimos anos.

Uma das cláusulas deixa claro que as empresas teriam que abandonar qualquer busca por fontes alternativas ou complementares de água, se quisessem obter os descontos dados pela Sabesp: “Os imóveis que são abastecidos por fontes alternativas não se beneficiarão das condições deste contrato”.

A conta é cobrada da seguinte maneira: a água utilizada é faturada através de medidor. Essa fatura é enviada à empresa, que paga o valor. Porém, explica o contrato “Quando o volume medido for inferior ao contratado, será faturada a demanda contratada”. Isso é feito através de uma “conta mensal complementar”, paga no mês seguinte.

O contrato determina ainda uma sanção para quem usar menos água do que o previsto. “A unidade usuária que apresentar consumo de água e/ou coleta mensal inferior a 500m³/mês, por três meses consecutivos, será excluída do contrato”, diz o documento.

Assim, usando ou não o valor mínimo de água acordado, a empresa pagava por esse volume. Isso, até março do ano passado, quando essa exigência foi suspensa pela Sabesp.

No caso do esgoto, o contrato estabelece que “onde o esgoto for caracterizado como não doméstico, incidirá a cobrança de carga poluidora, com aplicação de fator K, sobre a tarifa contratada de esgotos”.

 

Sabesp censura contratos de grandes consumidores

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Não foi dessa vez que o obscurantismo da Sabesp chegou ao fim. Na noite de terça-feira o setor de Comunicação da Sabesp se deu ao trabalho de escanear e publicar no seu site 536 contratos de demanda firme assinados com os maiores consumidores de água do Estado. Mas censurou todas as informações de interesse público.

Estão riscados nos documentos os nomes das empresas e de seus representantes, o valor total dos contratos, a vigência, a tarifa praticada e até mesmo a equação utilizada para chegar a tal tarifa. Nem a data de assinatura escapou da canetada da Sabesp. Sem essas informações não é possível fazer uma análise consistente sobre a política de demanda firme.

Os contratos foram requeridos via Lei de Acesso em dezembro pela Agência Pública, em um pedido rejeitado duas vezes pela Sabesp mas que foi considerado procedente pelo Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro, que ordenou a entrega dos contratos até dia 26 de fevereiro. “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz a decisão da CGA.

Hoje a Pública voltou a entrar em contato com a Sabesp pedindo os contratos sem censura. Ouviu apenas que as informações foram repassadas ao setor responsável pela área de Serviço de Acesso à Informação da Superintendência de Gestão de Risco.

Leia mais: Água destinada pela Sabesp às empresas aumenta 92 vezes em 10 anos 

Leia mais: Sabesp Desobedece Corregedor e não entrega contratos de  demanda firme

Contrato censurado

 Lista dos nomes é divulgada

A publicação dos contratos censurados ocorre depois da companhia de águas publicar uma lista com 537 nomes de clientes que têm contrato de demanda firme. Mas a listagem dos clientes empresariais, publicada ontem pelos jornais Estado de S Paulo e El País, contém apenas o nome das empresas e não cita o valor da tarifa praticada ou o consumo médio de cada empresa.

O que se pode apreender da lista publicada é que esses contratos – cujas principais características são a obrigatoriedade de uso de uma quantidade mínima de água por mês, começando por 500 mil litros, o uso exclusivo da água da Sabesp (sem vez de fontes alternativas adicionais) e desconto na conta, que cresce à medida que cresce o consumo médio de água, podendo chegar a até 75% da tarifa – foram assinados a partir de 2005 com pessoas jurídicas de ramos variados.

Três igrejas possuem os contratos “diferenciados”. São elas a Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Chamam a atenção na lista indústrias líderes mundiais, como a Dow Chemical do Brasil, a Basf e a Bunge, bancos como Citibank SA, Banespa, Itaú, Safra, Bradesco e HSBC e as gigantes do setor automotivo Mercedez-Benz, Toyota.

A lista inclui ainda campeãs do varejo como as cadeias McDonald’s e C&A, universidades, hospitais, e os clubes de futebol paulistas Santos, São Paulo, Palmeiras e Corinthians. Vale mencionar também a Nestlé, que realiza a exploração de águas minerais em diversos locais no Brasil, sendo criticada por moradores da localidade de São Lourenço (MG), por exemplo.

O que a Sabesp esconde

A estratégia da Sabesp parece ser a de divulgar dados parciais e desencontrados para que a política da demanda firme continue nebulosa. Pelos dados obtidos até agora,  não é possível determinar as diferenças reais entre as tarifas aplicadas para as grandes empresas. Isso ocorre porque o preço do metro cúbico é calculado a partir de uma fórmula matemática, que leva em conta a média consumida nos doze meses anteriores pelo cliente.

Ou seja: não se sabe de quanto foi o desconto dado às empresas pela água do sistema Sabesp nos últimos anos.

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Outro grande mistério é quem são os maiores consumidores de água. Segundo uma tabela obtida pelo El Pais, há um consumidor cujo contrato prevê o uso de 98,3 milhões de litros por mês e outro que consome cerca de 73,4 milhões de litros por mês. Pelo menos 10 empresas consomem mais de 40 milhões de litros por mês. Quem são elas? Não se sabe.

A Sabesp esconde, ainda, quais foram os 42 contratos assinados em 2014, 30 deles após fevereiro, quando a companhia reconheceu oficialmente a crise no sistema Cantareira e suspendeu a obrigatoriedade de consumo mínimo das empresas.

Em 2014 foram assinados, por exemplo, dois contratos com vigência de 5 anos para fornecimento de 20 milhões de litros mensais, em 30 de abril e em 11 de agosto. Em novembro, quando a presidente da Sabesp já havia reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, foram assinados três novos contratos.

A lista de novos contratos “premium” assinados após a crise é ainda maior, segundo o jornal El País, pois inclui cerca de 20 novos clientes do município de Diadema, onde a Sabesp começou a prestar serviço no ano passado.
Juntos, os contratos de demanda firme consomem cerca do 3% do volume de água faturado na grande São Paulo. A Sabesp afirma que, apesar das críticas sobre a manutenção destes contratos privilegiados, pretende manter a política para “evitar um êxodo” de vários clientes para fora do Estado.

Em 2014, Sabesp vendeu água do Cantareira com desconto

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Sistema Cantareira / Foto: Miídia Ninja

Sistema Cantareira / Foto: Miídia Ninja

Um terço dos contratos “premium” assinados no ano passado, em meio à pior crise de abastecimento da história de São Paulo, usam água do sistema Cantareira. É o que mostra o mais recente pedido de acesso à informação feito pela Agência Pública à Sabesp. Segundo os dados enviados pela empresa de saneamento paulista, esses contratos respondem por mais da metade da demanda de água (120 milhões de litros, de um total de 220 milhões) dos novos contratos para grandes consumidores assinados em 2014.

Em fevereiro daquele ano, a Sabesp reconheceu oficialmente a crise no sistema Cantareira e suspendeu a obrigatoriedade de consumo mínimo das empresas, pré-condição para os descontos que chegavam a até 75% da conta. Quanto maior a faixa de consumo, maiores os descontos.

Mesmo assim, a empresa continuou assinando tais contratos ao longo do ano, e os descontos continuam até hoje, assim como os contratos, renovados automaticamente. Os últimos foram assinados em novembro de 2014, quando a ex-presidente da Sabesp Dilma Pena já havia reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo.

Mais de um terço dos 43 novos contratos assinados em 2014 utiliza água do sistema Cantareira, sendo que 16 deles têm um total 120 milhões de litros por mês reservados. Desses, cinco contratos usam exclusivamente o sistema já sobrecarregado, enquanto o resto também recebe água de sistemas diversos, como o Guarapiranga e Tietê. No total, os novos contratos de demanda firme foram responsáveis, em dezembro do ano passado, pelo uso de 222,6 milhões de litros de água.

Dentre os três clientes recentes campeões em consumo de água, dois têm fornecimento assegurado em parte pelo Cantareira. Um deles, cujo contrato foi assinado em 11 de agosto, com vigência para 5 anos, consumiu 86,2 milhões de litros durante 2014, nas suas 18 ligações de água, usando, além dos sistemas já citados, também o Rio Claro. O outro, cujo contrato foi assinado em 24 de janeiro, usou 70 milhões de litros em suas 13 ligações, provenientes da Cantareira e Guarapiranga.

Consumo dos contratos de demanda firme assinados em 2014

Não é possível saber quem são essas duas empresas, já que a Sabesp, pela terceira vez, enviou em resposta ao pedido da Lei de Acesso à Informação uma tabela incompleta que esconde os nomes dos seus maiores clientes. Também se negou a dar o endereço das ligações de água. “A Sabesp preserva a relação comercial estabelecida com seus clientes e portanto adota a política de resguardar as informações referentes ao cadastro comercial”, escreveu a companhia. As tarifas com desconto, aplicadas a cada um dos contratos, também não foram fornecidas.

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Na verdade, a Sabesp desobedece mais uma vez a uma determinação da Controladoria-Geral da Administração (CGA) proferida em janeiro deste ano. O ex-Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro ordenou a entrega dos contratos até dia 26 de fevereiro. “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz a decisão da CGA. Um mês depois, Ungaro foi retirado da CGA e substituído pelo promotor de Justiça Ivan Francisco Pereira Agostinho. Em março, a Sabesp chegou ao cúmulo de escanear e publicar no seu site 536 contratos de demanda firme assinados com os maiores consumidores de água do Estado. Mas censurou todas as informações de interesse público. Estão riscados nos documentos os nomes das empresas e de seus representantes, o valor total dos contratos, a vigência, a tarifa praticada e até mesmo a equação utilizada para chegar a tal tarifa. Nem a data de assinatura escapou da canetada da Sabesp. Sem essas informações não é possível fazer uma análise consistente sobre a política de demanda firme.

É impossível saber quem são os maiores favorecidos, quem são as empresas que mais consomem água no estado e quanto de desconto elas estão recebendo – ou o quanto a Sabesp está deixando de arrecadar por causa desse favorecimento aos grandes consumidores. Ou seja, como os demais consumidores estão pagando a conta. No começo de abril a companhia comunicou aos seus investidores que pretende reajustar as contas de água em 22,70% em razão da redução de receita motivada pela queda no consumo, fruto da colaboração da população diante da crise de abastecimento. A agência responsável pelo setor de água e energia no estado de São Paulo, Arsesp, já aprovou um aumento de 13,87%.

Outras empresas agem de modo diferente: respondendo a um pedido de acesso à informação, a SPTrans enviou um contrato imediatamente.

O nível atual do Cantareira está em 20,1%. Embora esteja sendo tratado com naturalidade, as chuvas de verão recuperaram apenas o segundo volume morto; o sistema ainda está 9,2% abaixo do nível de normalidade. O volume continua bem abaixo do registrado no mesmo período no ano passado, quando o sistema estava 11% acima do volume útil.

Baixe aqui a tabela com os dados sobre contratos de demanda firme assinados em 2014.

Finalmente, os contratos de demanda firme

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Três montadoras de veículos, duas das maiores redes de supermercados do país e um dos bancos que mais lucraram em 2014 estão entre os dez maiores consumidores privilegiados com baixas tarifas de água pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Mercedes-Benz, Ford, Volkswagen, Pão de Açúcar, Carrefour e Itaú Unibanco assinaram contratos de demanda firme com a empresa, um expediente que dá direito a um vantajoso desconto. Diferentemente do que ocorre com consumidores residenciais, quanto maior o uso, menor é o valor que as empresas pagam pelo metro cúbico (1.000 litros).

Também integram esse seleto grupo a Telefônica, dona da marca Vivo e líder entre as operadoras de telefonia celular no país; a indústria Viscofan, que produz invólucros para embutidos; a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp); e a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô). O valor estimado desses dez contratos é de R$ 133 milhões. Juntas, essas empresas pagam baixas tarifas que dão direito ao uso de 412 milhões de litros por mês, suficientes para o abastecimento de 20 mil famílias ou 82 mil pessoas.

A Pública e a Artigo 19 divulgam, na íntegra, 537 contratos de demanda firme assinados pela Sabesp.

Há seis meses a Sabesp nega o acesso público a esses documentos. A companhia não cumpriu uma determinação da Corregedoria-Geral da Administração (CGA), feita em janeiro, após um pedido da Pública, para que os documentos fossem tornados públicos, conforme a Lei de Acesso à Informação. “A liberação dos contratos conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de saneamento básico”, diz a decisão da CGA.  A empresa deu-se ao trabalho de escanear e publicar no seu site os contratos de demanda firme, mas censurou todas as informações de interesse público.

iSstema Cantareira em Novembro de 2014, Foto: Mídia Ninja

Sistema Cantareira em novembro de 2014. Foto: Mídia Ninja

Os contratos foram obtidos pela organização Artigo 19, que entrou como parte em um procedimento administrativo do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público Estadual sobre a crise hídrica. “É importante ressaltar que a Lei de Acesso à Informação não foi respeitada pela Sabesp. Estamos divulgando os documentos porque entendemos que garantir o acesso à informação pública é fundamental para garantir o direto humano à água”, diz Mariana Tamari, coordenadora do projeto de acesso à informação e direito à água da Artigo 19.

A Pública cruzou os dados dos contratos com as informações parciais que já havia obtido anteriormente por meio de pedidos da Lei de Acesso à Informação, tomando o cuidado de excluir todos os dados conflitantes. O resultado por ser visto na nossa base de dados interativa. Nela, os cidadãos poderão averiguar quais são as condições dos contratos, os descontos na conta e verificar se o prédio onde trabalham, igreja ou time de futebol estão usando muita água.

Consulte e baixe todos os contratos na íntegra: apublica.org/contratos-sabesp

Os nomes de algumas dessas empresas foram revelados pelo El País, que publicou uma lista dos contratos assinados a partir de 2010, enviados pela Sabesp para uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal. A relação, no entanto, continha apenas 294 clientes. Só três dos dez maiores consumidores (Viscofan, Mercedes-Benz e Ford) firmaram contratos depois de 2010. Os outros 243 nomes que faltavam, assim como os 294 anteriores, agora estão acompanhados de dados como o valor das tarifas de água e esgoto acertadas na época, a demanda firme, a data da assinatura do documento e a vigência, renovada automaticamente.

Detentora do contrato que permite consumir o maior volume de água com desconto, a Telefônica tem reservados 55,8 milhões de litros mensais. É um dos acertos mais antigos, assinado em 2003.

A Telefônica tem reservados 55,8 milhões de litros mensais. É um dos acertos mais antigos, assinado em 2003.

O valor obtido para cada mil litros de água foi de R$ 3,90, quando outros clientes da região metropolitana de São Paulo pagavam R$ 4,16 na época. Isso representa uma diferença de 6,25%. Como a empresa tem escritórios em diferentes partes do Estado de São Paulo, o cálculo foi feito a partir de uma média que considera as tarifas cobradas em diferentes regiões. O contrato, de cinco anos, tem valor estimado de R$ 13 milhões. Neste e em outros documentos, a tarifa deve ter sido reajustada, mas essa informação não está disponível.

No ano passado, o Itaú Unibanco teve um lucro líquido de R$ 20,2 bilhões. E economizou na conta de água. Com um contrato que prevê cerca de 31 milhões de litros mensais de demanda firme, a instituição financeira conseguiu uma tarifa de R$ 4,43 por 1.000 litros em maio de 2004. A água abastece várias das agências do banco na capital paulista e em cidades da Grande São Paulo e do interior do Estado. O desconto em relação ao que era cobrado na região metropolitana, no período, era de R$ 0,08 por 1.000 litros.

Agencia Itau

Linha de montagem

Também recordistas em consumo, as montadoras Mercedes-Benz, Ford e Volkswagen têm reservados 110 milhões de litros pela Sabesp. A Mercedes-Benz tem o maior contrato, com custo estimado em R$ 28,4 milhões para 50 milhões de litros mensais e uma tarifa inicial de R$ 6,87. Ford e Volkswagen comprometeram-se a gastar 30 milhões de litros cada. No caso da Ford, o documento é mais recente, de 2010, e prevê uma tarifa de R$ 5,32 por 1.000 litros de água. Há mais um contrato da Ford, de 2007, com tarifa de R$ 3,72 para uma demanda contratada de 15 milhões de litros.

A Volkswagen do Brasil assinou em 2002 um contrato estimado em R$ 1,5 milhão para o fornecimento de água em uma de suas fábricas, localizada em Taubaté. Mas há uma diferença em relação a outros documentos. A vigência do acordo é de um ano e, nesse período, tanto a demanda firme como a tarifa variavam. O valor inicial acertado foi de R$ 2,02 por 1.000 litros de água potável. Depois do nono mês, a tarifa passava a ser de R$ 2,19. Do primeiro ao sexto mês, a demanda foi de 90 milhões de litros. No sétimo mês, caiu para 61 milhões de litros. No oitavo, para 42 milhões de litros. E, a partir do nono mês, estacionou em 30 milhões de litros.

Em 2010, a Volkswagen firmou um outro contrato, de R$ 14,6 milhões, durante cinco anos, para uma das suas unidades, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Nesse caso, havia um desconto de R$ 4,09 frente à tarifa cobrada pela Sabesp de clientes comerciais e industriais que não tinham um contrato de demanda firme na mesma localidade. Assim, a montadora pagou R$ 3,98 para 1.000 litros por um consumo mínimo mensal de 40 milhões de litros.

Outros dos grandes clientes da companhia são as redes de supermercados Pão de Açúcar e Carrefour. Nesse caso, os volumes de demanda firme não são muito diferentes: 47 milhões de litros para o Pão de Açúcar e 40 milhões de litros para o Carrefour. Embora tenham sido assinados com apenas 4 anos de intervalo, as tarifas são bastante diferentes. Em 2002, o Pão de Açúcar pagava R$ 3,25 por 1.000 litros. Já o Carrefour conseguiu uma tarifa de R$ 5,12 em 2006 pela mesma quantidade de água. Vale lembrar que os dois valores podem ter sido reajustados posteriormente.

Feira do Ceagesp

Feira do Ceagesp

Outro supercontrato é o da Ceagesp, assinado em 31 de outubro de 2001 com valor estimado de R$ 24,2 milhões. O consumo mensal mínimo inicial é de 44 milhões de litros de água por mês, a R$ 4,03 por 1.000 litros de água e R$ 5,17 por 1.000 litros de esgoto. Na época, a tarifa para clientes com consumo acima de 40 milhões de litros por mês era de R$ 4,16 para água e esgoto. O documento assinala que o contrato tem exceções: “não está em déb. automático, não lacrou poços”. Também tem uma cláusula que determina que o volume mínimo seja revisto mensalmente.

No ano seguinte, a Ceagesp solicitou a redução dos valores cobrados por 1.000 litros do fornecimento de água e tratamento de esgoto. Em resposta, a Sabesp informou sobre a possibilidade de efetivação de um contrato especial, com redução do consumo mensal para 43 milhões de litros por mês e cobrança de R$ 3,50 por 1.000 litros de água utilizados e também de R$ 3,50 por 1.000 litros de esgoto.

Para a concretização do contrato especial, a Ceagesp deveria ser abastecida exclusivamente pela rede pública – deixando de usar seus poços artesianos – e passar a pagar a conta por meio de débito automático.  O comunicado interno da Sabesp revela que a Ceagesp se comprometeu a não usar fontes alternativas de água mas que, por ser um órgão de economia mista com capital majoritário pertencente ao governo federal, não poderia fazer o pagamento via débito automático.

Contratos de 2014 

A preocupação com a crise hídrica, que já se anunciava desde o final de 2013, não foi suficiente para que a Sabesp deixasse de assinar novos contratos. A partir de março de 2014, a companhia suspendeu duas condicionantes importantes desse tipo de documento: a exigência de um consumo mínimo de água por mês (as empresas eram obrigadas a pagar por esse mínimo, usassem ou não a água) e de “fidelização” ao sistema Sabesp, abandonando o investimento em reuso ou em fontes alternativas de água. Mas continuou a fazer novos contratos – foram 36 ao longo do ano, sem as contrapartidas –, mantendo o preço amigável.

Desses, nove contratos têm vigência de 5 anos, ou seja, garantem o fornecimento de água a preço vantajoso até 2019. Entre eles há um contrato com a SPTrans de 11 de agosto de 2014, que garante o fornecimento de 20 milhões de litros por mês a uma tarifa de R$ 8,48 por 1.000 litros. O contrato inclui uso de água do Sistema Cantareira, além do Guarapiranga, Alto Tietê e Rio Claro. A Avon Cosméticos também conseguiu um contrato de cinco anos, no dia 24 de fevereiro daquele ano, também para 20 milhões de litros por mês. A tarifa é de R$ 7,66 para a água utilizada. E o desconto é ainda maior para o esgoto: a empresa de cosméticos paga R$ 4,24 por 1.000 litros coletados.

Agência Bradesco

Outras empresas de grande porte conseguiram contratos proveitosos em meio à crise da água. O Banco Bradesco, que no ano passado teve um lucro líquido de R$ 15 bilhões, 25% maior do que o ano anterior, assinou um contrato em 24 de janeiro para garantir o uso de 20,4 milhões de litros de água por mês em 15 ligações. A tarifa do contrato, de R$ 8,48, é quase R$ 5 mais barata por litro do que seria em um contrato comercial normal (R$ 13,12 por metro cúbico) – um desconto de cerca de 35%. Parte da água desse contrato vem do Sistema Cantareira e parte do Guarapiranga.

A fábrica da Vigor também teve contrato assinado no ano passado, em 27 de outubro. Contratou o fornecimento de 14 milhões de litros de água por mês, a uma tarifa de R$ 9,08 para água e R$ 4,51 para esgoto. O valor do contrato é de R$ 2,2 milhões. O contrato vale por um ano, renovável automaticamente, e o abastecimento é exclusivo do sistema Cantareira.

No final de outubro, dias depois de a presidente da Sabesp ter reconhecido a severidade da crise no abastecimento de água em depoimento a uma CPI da Câmara Municipal de São Paulo, foi assinado um contrato para o fornecimento de 3,8 milhões de litros de água por mês, com vigência de 5 anos com o Condomínio Centenário Plaza, o famoso “Robocop”, na Marginal Pinheiros, a uma tarifa de R$ 9,69. O valor do contrato é de R$ 4,4 milhões. Em novembro, foram assinados ainda dois contratos, com a MC Construction Chemicals Brasil Industria e a Gelita do Brasil.

Robocop

Condomínio Centenário Plaza, o “Robocop”

 

Clubes e bancos

Clubes conhecidos, como o Esporte Clube Pinheiros, também estão na lista. Este tem contrato celebrado em dezembro de 2008 para o consumo de 5,5 milhões de litros de água por mês, a uma tarifa de R$ 7,51. No mesmo ano, o São Paulo assinou um contrato com 4 milhões de litros de demanda pela mesma tarifa. Os clubes Palmeiras e Santos assinaram contratos semelhantes em 2012. O contrato do Palmeiras prevê a destinação de 5,8 milhões de litros de água por mês a um valor de R$ 9,17 por 1.000 litros. O Santos paga a tarifa de R$ 7,36 a cada 1.000 litros por 1 milhão de metros cúbicos de água por mês.

Chama a atenção o grande número de condomínios e prédios comerciais premiados com os descontos: são nada menos que 153 contratos com esse tipo de empreendimento. Já entre as igrejas, a Universal do Reino de Deus é a que tem o maior contrato: o prédio da Avenida João Dias, na zona sul de São Paulo, tem consumo mínimo de 3 milhões de litros por mês a R$ 7,84 por 1.000 litros de água e tratamento de esgoto pelo mesmo preço. Outros templos abastecidos com contratos de demanda firme são o Templo da Glória de Deus, sede da Igreja Pentecostal Deus é Amor, e o Centro de Treinamento Missionário de São Paulo, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos Últimos Dias. Ambos os prédios pagam uma tarifa de R$ 9,30 por 1.000 litros de água e tratamento de esgoto.

Chama a atenção o grande número de condomínios e prédios comerciais premiados com os descontos: são nada menos que 153 contratos

Além do Itaú e do Bradesco, outros quatro bancos celebram contratos de demanda firme: Citibank, Safra, HSBC e Santander. O Santander possui um contrato de demanda firme de 20,3 milhões de litros por mês e paga R$ 4,55 por 1.000 litros, uma das tarifas mais baixas entre os contratos. No caso do Santander, o preço da tarifa vale para todos os imóveis sob a responsabilidade do banco. Já o contrato do Banco Safra, de 1,5 milhão de litros por mês a R$ 8,37 cada 1.000 litros, corresponde somente ao prédio localizado na esquina da Rua Augusta com a Avenida Paulista, em São Paulo. Os contratos do Citibank e do HSBC também correspondem a um único endereço. As tarifas diminuem quanto maior o consumo: com 3 milhões de litros contratados por mês, o Citibank paga uma tarifa de R$ 7,51 por 1.000 litros, enquanto a tarifa do HSBC é de R$ 8,71 por 1.000 litros, para uma demanda mensal de 1,1 milhão de litros.

Revelações dos contratos

Os contratos publicados revelam detalhes até agora desconhecidos sobre como funcionam na prática as negociações para a política de demanda firme da Sabesp. [relacionados]

No caso da Mecano Pack Embalagens, uma fábrica de Taboão da Serra, alguns detalhes das negociações estão no próprio contato. Sabemos, por exemplo, que a empresa procurou a Sabesp em busca do desconto, o que acabou ocorrendo em contrato em agosto de 2011. O contrato proposto pela Sabesp significava uma redução na tarifa de água de 18%. Para isso, a empresa teria que aumentar seu consumo, passando de 400 mil litros para 500 mil litros por mês. Além disso, nos adendos do contrato, a Sabesp deixa claro que quer evitar o uso de fontes alternativas de água: “A negociação tornou-se frutífera, pois com média de 400 m3, o cliente está ampliando a empresa e o consumo estará dentro do contratado e inclusive considerando a ampliação da empresas, que a fidelização é estratégica visto que, com o aumento do consumo, o cliente poderia migrar para fontes alternativas”, escreve o representante comercial da Sabesp.

Outra negociação interessante foi feita com a Colgate Palmolive Industrial, para fornecimento de água para a sua fábrica no Jaguaré, zona oeste de São Paulo, para um contrato de 10 milhões de litros, assinado em junho de 2011 por mês. A negociação da tarifa – de R$ 7,66 – significou em uma redução de 31% na conta de água. Um desconto mensal de R$ 86 mil, segundo a própria Sabesp.

A cláusula 14 do contrato diz que a “Colgate se compromete, após a assinatura do contrato de demanda firme, a exclusão definitiva do abastecimento por meio de fonte alternativa (carro pipa) a partir de 1/7/2011”. E, para completar, o representante comercial anota ainda que “o cliente firmará contrato de 10 mil m3, porém se compromete-se a utilizar 15 mil m3”, mostrando claramente que o principal interesse dos contratos era vender mais água, e não o uso racional desse bem público.

No caso da WLC Administradora de Imóveis, há outro relato interessante anexo ao contrato. Ele revela que a negociação foi proativa, ou seja, partiu da Sabesp “através de acompanhamento realizado na emissão das faturas, após a leitura e apuração do consumo. Com a fatura em mãos, o Representante Comercial realizou a entrega da mesma e iniciou negociação”. A negociação se deu em junho de 2012 e rendeu um desconto de 24% para a empresa, com a tarifa de R$ 9,30. O representante da Sabesp botou no papel: isso significa que o valor pago pela empresa à Sabesp caiu de R$ 36.367 para R$ 26.040 por mês – um desconto de mais de R$ 10 mil por mês.

Atualização em 23/05/2015: Foram corrigidos a soma dos contratos dos dez maiores consumidores e o número de pessoas que poderiam ser atendidas por esse volume de água.

 O que são os contratos de demanda firme

Os contratos de demanda firme estão no centro da discussão sobre as políticas adotadas pela Sabesp nos últimos anos. Eles começaram a ser usados em 2002 pela Sabesp como forma de “fidelizar” clientes do comércio ou indústria que têm grande consumo de água. Em 2010, passaram a valer para clientes que consomem acima de 500 m³/mês (500 mil litros/mês).

O programa prevê um consumo mínimo de água. Se a empresa consumir menos, pagará o valor completo de todo jeito. Se ultrapassar a quantidade acordada, paga a diferença. Ou seja, a empresa é penalizada se economizar, e instada a usar mais água, já que pagará de qualquer forma. Outro problema nesse tipo de contrato é que a Sabesp exige exclusividade de fornecimento, abandonando fontes alternativas de água como poços artesianos e caminhões pipa. A Sabesp finalmente reviu essa obrigação de consumo mínimo em março do ano passado, depois do agravamento da crise hídrica. Mas os descontos previstos pelos contratos de demanda firme continuam a vigorar.

Uma característica desse programa de “fidelização” é que ele segue a lógica da venda a atacado: quanto maior o consumo médio de água da empresa, a tarifa é mais baixa, ao contrário do que a Sabesp exige dos usuários residenciais, que quanto mais usam, mais pagam. Os descontos na conta são generosos, chegando a 40% do valor, segundo os contratos obtidos pela Pública e pela Artigo 19.

A manutenção dos contratos tem sido questionada por movimentos sociais. Com a repercussão negativa, a Sabesp deixou de assinar novos contratos em 2015. Mas os antigos seguem sendo automaticamente renovados. Ao mesmo tempo, a Sabesp insistiu em manter os contratos longe do escrutínio público – e do debate sobre os rumos da crise – até agora.

“A omissão da Sabesp neste caso é mais um exemplo do descumprimento do direito à informação como um todo na crise hídrica. A batalha pela transparência ainda não terminou. Precisamos exigir que a Sabesp e todos os órgãos públicos responsáveis pela gestão da água no Estado deem ampla divulgação a documentos públicos”, afirma Karina Quintanilha, advogada da Artigo 19.

Friboi, a campeã nacional em acidentes

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Nos comerciais da Friboi na TV, o roteiro se repete. O ator Tony Ramos faz uma visita-surpresa à casa de um consumidor, para perguntar qual carne costuma comprar, e encontra um produto da marca na geladeira. “Carne confiável tem nome”, diz o artista. Quando fiscais aparecem repentinamente nas unidades da JBS, dona da Friboi, o resultado tende a ser previsível como a propaganda. Irregularidades e violações de direitos trabalhistas são tão frequentes que deixaram 7.822 funcionários da empresa doentes ou incapacitados para o trabalho nos últimos quatro anos. Isso equivale a cinco acidentes por dia durante todo o período.

Dados inéditos obtidos pela Pública com o Ministério da Previdência Social, por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que a JBS foi a campeã em comunicados de acidentes de trabalho, de 2011 a 2014, somando-se os setores de abate de gado e de fabricação de produtos de carne. No setor de abate de aves – em que começou a se expandir nos últimos dois anos, com a compra da Seara e de outros frigoríficos –, a empresa já subiu para o segundo lugar em 2014 e ficou quase empatada com a BRF (antiga Brasil Foods).

Funcionários da JBS trabalham na linha de produção da unidade em Rolândia, no Paraná, interditada após fiscalização este ano. Foto: MPT/PR

Funcionários da JBS trabalham em uma linha de produção da unidade de Rolândia (PR), interditada após fiscalização. Foto: MPT/PR

Com lucro líquido de US$ 2,04 bilhões em 2014, a JBS é hoje o maior grupo privado do país em faturamento e a maior processadora de carnes do mundo. No ano passado, as vendas somaram R$ 120 bilhões. Esse gigantismo foi conseguido com a ajuda de dinheiro público. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio da BNDES Participações (BNDESPar), fez aportes de R$ 8,1 bilhões para favorecer aquisições, tornando-se seu maior sócio. A BNDESPar chegou a deter um terço do grupo. Em 2012, repassou uma cota equivalente a 10% de participação para a Caixa Econômica Federal e manteve-se com 24,5%. O grupo foi, também, o maior doador na campanha eleitoral do ano passado e destinou R$ 366,8 milhões a candidatos e partidos políticos.

A maioria dos acidentes da JBS no país ocorreu no setor de abate de bovinos, uma área historicamente perigosa para os trabalhadores. Foram registrados 4.867 comunicados no total: 1.294 em 2011, 1.225 em 2012, 1.261 em 2013 e 1.087 em 2014. Nesse setor, a empresa foi responsável por um em cada quatro acidentes informados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre 2011 e 2013 – cerca de 25% ao ano. Houve redução de 14% nos comunicados da JBS de 2013 para 2014, mas a empresa ainda concentrou um em cada cinco acidentes reportados no último ano (21%) e ficou atrás apenas da Marfrig.

Evolução dos acidentes de trabalho na JBS (2011-2014)

Na área de fabricação de produtos de carne, foram 506 acidentes reportados em 2011, 262 em 2012, 327 em 2013 e 369 em 2014 (incluindo a Seara, comprada em 2013). Nos quatro anos, a JBS foi a empresa com maior quantidade de casos. Já no setor de abate de aves, os incidentes começaram a aparecer em 2012, com a criação da divisão JBS Aves a partir do arrendamento da Doux Frangosul. Foram 49 comunicados naquele ano. Em 2013, a quantidade subiu para 289. Em 2014, depois da aquisição da Seara, houve um salto para 1.153 casos.

Ao todo, 3.110 acidentes da JBS de 2011 a 2014 (39%) ocorreram na Amazônia Legal, principalmente no Mato Grosso. O estado tem o maior rebanho bovino do país, com 28,3 milhões de cabeças, segundo a pesquisa Produção da Pecuária Municipal de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O grupo mantém unidades também no Acre, no Maranhão, no Pará e em Rondônia. Foram registrados 713 incidentes na Amazônia Legal em 2011. O número passou para 821 em 2012, 840 em 2013 e 736 em 2014. Apesar das flutuações, foram dois por dia, em média, a cada ano.

Acidentes de trabalho na JBS por estado (2011-2014)

Baixe a tabela completa com os dados sobre comunicados de acidentes de trabalho em frigoríficos, de 2011 a 2014

Infrações deliberadas

Os dados fornecidos pelo Ministério da Previdência Social confirmam a percepção dos procuradores do Ministério Público do Trabalho que fiscalizam de perto esses setores. “A JBS tem uma política deliberada de precarização dos direitos fundamentais dos trabalhadores”, afirma o procurador Sandro Eduardo Sardá, gerente nacional do Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos. “Isso vem gerando uma legião de trabalhadores amputados e mortos em razão de acidentes de trabalho.” O grupo foi criado em 2010 por causa do elevado número de problemas registrados nesse tipo de empresa.

De acordo com Sardá, a JBS mantém condições ruins de trabalho para obter o máximo de lucro. Isso é feito de várias maneiras. Em uma das mais comuns, adota-se um ritmo excessivo – e, portanto, ilegal – na jornada dos funcionários. “É um ritmo de trabalho incompatível com a proteção à saúde dos trabalhadores”, diz o procurador. Nos frigoríficos de aves, isso leva muitos dos funcionários a adquirir doenças ocupacionais. Nos frigoríficos de bovinos, tem como resultado uma grande quantidade de amputações.

Uma amostra da extensão do problema pôde ser vista recentemente. No dia 13 de maio, uma força-tarefa formada pelo Ministério Público do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, pelo INSS, pela Receita Federal e pela Advocacia-Geral da União interditou 45 máquinas que apresentavam riscos à saúde dos trabalhadores em uma unidade de abate de frangos da empresa em Rolândia, no Paraná. Com 4 mil funcionários, a fábrica pertence à Big Frango, adquirida pela JBS no ano passado, e abate 400 mil frangos por dia.

Entrevistas feitas com 400 trabalhadores durante a operação mostram as consequências de uma jornada excessiva. Uma parcela de 52,9% dos funcionários ouvidos – ou seja, mais da metade – admitiu ter tomado algum tipo de remédio, aplicado emplastros ou feito compressas para poder trabalhar nos 12 meses anteriores. Além disso, 38% deles disseram sentir uma dor forte durante a realização de suas atividades. Terminado o dia de trabalho, 75,4% afirmaram ficar “cansados” (35,1%), “muito cansados” (23%) ou “exaustos” (17,3%).

A força-tarefa escolheu essa unidade, entre tantas outras, por meio de cruzamentos de dados públicos e privados. Os procuradores identificaram uma enorme quantidade de consultas médicas relacionadas ao trabalho no ano passado. Foram 2.033, além de 70.279 atendimentos de enfermagem, equivalentes a 225 por dia nessa fábrica. Já os afastamentos por doenças osteomusculares ou traumas somaram 6 mil horas em 2014.

Tipos de acidentes de trabalho na JBS (2011-2014)

Muitos dos problemas vêm da gestão anterior, mas os resultados da operação indicam que não houve mudanças significativas. “Algumas empresas já tinham condições ruins de trabalho, em razão de má administração. Eles vieram, adquiriram essas indústrias e a situação dos trabalhadores piorou, envolvendo a questão salarial e a questão de saúde”, diz Ernane Garcia Ferreira, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação do Estado do Paraná (FTIAPR). “Lucro, lucro, lucro. Essa é a visão da empresa.”

Mais rápidos que máquinas

Uma fiscalização na unidade de Montenegro (RS), no início do ano passado, resultou na interdição de máquinas e atividades. Foram aplicados 33 autos de infração após a visita. Entre as irregularidades, uma das que mais chamaram a atenção dos fiscais foi a situação dos funcionários responsáveis por embalar frangos do tipo griller – um galeto pequeno, exportado principalmente para o Oriente Médio. Para colocar a ave dentro de um saco plástico, é necessário passá-la dentro de um funil. Os funcionários escalados para a tarefa realizavam nada menos de 90 movimentos por minuto com os braços.

Com isso, os trabalhadores conseguiam embalar 30 frangos por minuto, ou um frango a cada dois segundos, aproximadamente, com três movimentos. Não existem máquinas capazes de atingir tamanha produtividade. As mais rápidas embalavam 15 frangos por minuto, metade da velocidade de um funcionário da JBS. “Se uma máquina consegue dar conta apenas dessa produção, imagine o nível de exigência dos músculos, dos tendões, dos braços do trabalhador nesse posto”, afirma Mauro Müller, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul. Ao todo, 93% dos empregados entrevistados no setor disseram ter sentido dor na semana anterior à visita.

A mesma operação verificou as condições na unidade de Passo Fundo (RS) e encontrou funcionários lidando com uma quantidade de peso acima do normal. No setor de descarregamento de frango vivo, havia pessoas manuseando 50 toneladas por dia. O máximo permitido pela legislação, no entanto, são 10 toneladas diárias. A fábrica também usa empilhadeiras e paleteiras elétricas movidas a bateria, que pesam 1,1 tonelada cada. A troca dessas baterias, feita a cada turno, era manual. Os funcionários usavam o corpo para fazer a substituição, empurrando ou puxando as peças.

A fiscalização dos relógios de ponto na unidade de Passo Fundo, de 16 de maio a 15 de dezembro do ano passado, identificou cerca de 27 mil jornadas além do limite permitido. “É muita coisa. É praticamente o setor produtivo todo trabalhando uma média diária de 9h40”, diz Müller. “A partir do momento em que você prorroga a jornada além das oito horas, estaria aumentando em 50% o risco de adoecimento por LER/Dort [lesões por esforços repetitivos/distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho]. É muito grave. Há o aumento da jornada, o aumento da fadiga e o aumento do risco de adoecimento num ambiente que tem vários outros fatores de risco.”

No Mato Grosso, estado que concentra a maior quantidade de acidentes da JBS, uma das linhas de atuação do Ministério Público do Trabalho tem sido impedir as horas extras em ambientes insalubres. “A atividade do frigorífico tem ritmo intenso, com um grande número de movimentos na unidade do tempo, atuando em baixas temperaturas. Então, há uma porção de riscos”, explica Leomar Daroncho, procurador do Ministério Público do Trabalho do Mato Grosso. “Tem uma série de condenações com fundamento da insalubridade. Nessas condições, não é razoável que os trabalhadores fiquem expostos além do número de horas que a legislação permite.”

Desobedecer à jornada de trabalho máxima permitida, no entanto, não é exclusividade da JBS. Isso vale para outras transgressões à legislação cometidas em frigoríficos. “Os problemas que o setor tem, a JBS também tem. Sob o ponto de vista trabalhista, não é muito diferente do que ocorre com as demais empresas. Como é a maior, é claro que tem mais problemas”, diz Daroncho. “No Mato Grosso, o setor de frigoríficos é o que mais tem mais acidentes de trabalho e está bem à frente do segundo lugar.” Ele estima que de 30% a 35% das ações na Justiça do Trabalho no estado envolvam essas empresas.

As dez empresas do setor frigorífico com mais acidentes (2011-2014)

Salários baixos são comuns, principalmente porque muitos frigoríficos estão instalados em cidades pequenas, com poucas opções de inserção no mercado de trabalho. Isso estimula a prestação de horas extras. “O trabalhador acaba buscando na jornada excedente uma forma de sobreviver, de custear a sua vida. E com isso ele produz a médio prazo sérios problemas em relação à integridade física dele mesmo”, ressalta Daroncho.

Também falta muitas vezes uma estrutura física adequada para o trabalho. Funcionários da JBS da área fria na unidade de Pontes e Lacerda (MT), por exemplo, não tinham um lugar adequado para descansar. Depois de trabalharem a quase zero grau, ficavam em ambiente externo, cuja temperatura às vezes beirava 40 graus. Uma decisão judicial de novembro do ano passado obrigou a empresa a construir um espaço refrigerado para as pausas. Determinações como essa trazem multas pesadas se forem descumpridas.

Realidade oculta

Os dados de acidentes de trabalho da JBS e de outras empresas podem esconder um cenário muito pior. Isso porque o setor de frigoríficos é conhecido por não comunicar muitas das ocorrências. Com medo de perder o emprego ou as bonificações que melhoram os baixos salários, funcionários costumam trabalhar adoentados. “Há os casos que vão para a mídia e também aqueles que não aparecem. O trabalhador corta o dedo, recebe quatro, cinco pontos e vai trabalhar, porque é o encarregado daquele dia. Se faltar, perde prêmio de abate, de couro, de desossa. Então prefere trabalhar acidentado a ficar afastado”, diz Vilson Gimenes Gregório, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carne e Derivados de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul.

Acidentes de trabalho na JBS por tipo de atividade econômica (2011-2014)


O assédio moral na linha de produção, segundo Gregório, também é comum. “O trabalhador está ali, fazendo o serviço. Os supervisores querem que faça mais rápido e gritam. As mulheres querem ir ao banheiro e não podem ir antes do intervalo. Se forem, são preguiçosas, não querem trabalhar. Esse é o tratamento deles”, afirma o sindicalista. Benefícios acertados em convenção coletiva, como cesta básica, às vezes são cortados pela empresa se o funcionário faltar, o que é ilegal. “Eles não respeitam os acordos coletivos. Passam por cima de tudo e fazem do jeito deles”, diz Gregório. Até mesmo atestados de saúde que determinam afastamentos têm o tempo reduzido sem a devida justificativa.

O índice de subnotificação de acidentes de trabalho no setor pode passar de 90% a 95%, calcula o procurador Heiler Ivens de Souza Natali, coordenador nacional do Programa de Adequação das Condições de Trabalho nos Frigoríficos. De acordo com Natali, o problema acaba sendo evidenciado com a atuação das forças-tarefa que fazem inspeções nas unidades. Quando os fiscais descobrem afastamentos que podem ter ocorrido devido à natureza da atividade e não foram comunicados, isso pode resultar em uma ação judicial, por exemplo. Por isso, os dados de comunicados de acidentes de trabalho segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), divulgados pelo Ministério da Previdência Social, são apenas uma amostra do que ocorre de fato.

Diante do enorme número de problemas, Natali afirma que a JBS tem feito algumas mudanças para diminuir a quantidade de acidentes de trabalho nos seus frigoríficos. “A JBS tem uma política de segurança que está tentando implementar. Isso é verdade”, afirma. “Só que há uma outra discussão: se essa política está adequada e se ela está em vigor nas unidades do Brasil inteiro. E, para os dois questionamentos, a resposta, em princípio, não é afirmativa.” A realidade não corresponde às imagens mostradas na publicidade.

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Apesar de um acidente já ter ocorrido nesta máquina de limpar moela, ela continuava em operação sem as proteções nessárias em unidade da JBS Friboi. Foto: Divulgação MTE / Repórter Brasil

A situação torna-se ainda mais complicada por causa do modo como o grupo se expande no país. Em vez de comprar empresas saudáveis e lucrativas, a JBS prefere adquirir frigoríficos altamente endividados. “Considerada a política de aquisições da JBS, que não parece levar em consideração as condições de trabalho oferecidas pela empresa que está sendo adquirida, imaginamos que o reflexo disso seja a existência de um número de unidades com elevado nível de violações de direitos trabalhistas”, afirma Natali. Segundo o procurador, isso resultará, mais tarde, em um cenário litigioso.

A Pública procurou a JBS para saber por que o número de acidentes de trabalho nas unidades da empresa é tão elevado. Perguntamos também que tipos de medidas vêm sendo tomadas para diminuir esse tipo de ocorrência e quanto do faturamento tem sido investido em programas de prevenção e redução de acidentes nos últimos anos. Questionamos ainda por que interdições de máquinas e condenações judiciais são tão frequentes nas unidades do grupo. Veja o posicionamento da JBS, enviado após a publicação desta reportagem.

Atualização (03/06, 18h30): Incluído link com o posicionamento da JBS em relação aos questionamentos da Pública.

Um vídeo incômodo

Um dos atritos mais recentes entre os sindicatos e a JBS é a questão do plano de saúde. Nas unidades de Forquilhinha (SC) e Nova Veneza (PR), a empresa reajustou o valor do plano individual e tentou cobrar uma taxa adicional de R$ 104 para cada dependente. Isso aumentaria o impacto no contracheque dos funcionários. Como os salários giram em torno de R$ 1.000, abatimentos extras poderiam inviabilizar a adoção do benefício. Em outros locais, como os frigoríficos de abate de bovinos, os trabalhadores não têm plano e a empresa não queria concedê-lo.

Como o grupo se recusava a negociar, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Alimentação (Contac/CUT) produziu um vídeo em que denunciava o problema e publicou o conteúdo no YouTube, em fevereiro deste ano. O filme, de pouco mais de um minuto, foi inspirado nas propagandas da JBS e recebeu legendas em inglês. Uma consumidora chega ao açougue e pede a carne “daquele ator famoso”. O atendente, então, fala sobre o reajuste do plano de saúde. Assustada, a cliente decide adquirir outro produto.

A Contac também convocou uma manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, para denunciar as más condições de trabalho nos frigoríficos do grupo. Foi o que bastou para a JBS criar uma mesa de negociações com os sindicalistas. A primeira reunião ocorreu em 12 de março, dia do protesto, que acabou desmarcado. “A empresa passou a dialogar com a gente”, afirma Wagner do Nascimento Rodrigues, secretário-geral da FTIAPR. “Infelizmente o diálogo ainda não gerou como fruto a solução de problemas.”

Os encontros com os sindicalistas têm ocorrido uma vez por mês, em média, desde março. Outras questões trabalhistas também são debatidas com Wesley Batista, presidente executivo da JBS, como a adoção de um piso salarial unificado para os funcionários em todo o país. “Iniciamos uma pauta nacional”, diz Siderlei de Oliveira, presidente da Contac. “Já começamos a discutir o plano de saúde. Vamos ver se avançamos mais aí. Pelo menos mudou esse aspecto de relação sindical, que nós não tínhamos há anos.”

Veja a resposta da JBS sobre acidentes de trabalho

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Enviamos dez perguntas à JBS sobre a grande quantidade de acidentes de trabalho que ocorreram na empresa entre 2011 e 2014, segundo dados obtidos pela Pública, via Lei de Acesso à Informação, com o Ministério da Previdência Social:

1) Dados do Ministério da Previdência Social, obtidos pela Pública por meio da Lei de Acesso à Informação, mostram que houve 7.822 comunicados de acidentes de trabalho em unidades da JBS de 2011 a 2014, somando-se os CNAEs 1011, 1012 e 1013. Isso torna o grupo o campeão em acidentes de trabalho no país nessas áreas. Por que ocorrem tantos acidentes na empresa?

2) Procuradores e sindicalistas ouvidos pela Pública relatam precarização dos acidentes de trabalho nas unidades da JBS no país, atribuindo isso a uma política que busca garantir máxima lucratividade. O que a empresa tem a dizer sobre isso?

3) Quais foram as políticas adotadas para a redução de acidentes de trabalho pela JBS nos últimos anos em suas unidades? Há números que mostrem os resultados dessas políticas?

4) Por que a JBS não oferece plano de saúde em suas unidades de abate de bovinos? Sindicalistas denunciam que a empresa também tem tentado aumentar o valor dos planos em unidades de abate de aves, tornando a sua adoção inviável economicamente. Isso tem acontecido?

5) Por que são frequentes as interdições de fábricas por fiscalizações do Ministério Público do Trabalho e condenações judiciais envolvendo desrespeito a leis trabalhistas (descumprimento de pausas térmicas, máquinas em desacordo com normas técnicas, pagamento irregular de horas extras, jornadas de trabalho excessivas etc)?

6) A JBS tem entre os seus acionistas o BNDES e a Caixa Econômica Federal. Essas instituições não cobram contrapartidas que exijam uma redução no número de acidentes de trabalho?

7) Qual a quantidade máxima de dias que uma unidade da JBS ligada às CNAEs 1011, 1012 e 1013 ficou sem registrar acidentes de trabalho no país, de 2011 a 2014?

8) Quantos processos trabalhistas envolvendo a JBS existem no momento?

9) Qual foi o valor do faturamento da JBS investido em prevenção e redução de acidentes de trabalho de 2011 a 2014?

10) Quanto foi pago em indenizações a trabalhadores acidentados nos CNAEs 1011, 1012 e 1013 nos últimos quatro anos?

Seis horas após a publicação da reportagem, a JBS enviou o seguinte posicionamento:

“Todos os dados da JBS sobre segurança do trabalho são públicos e podem ser consultados no relatório anual e de sustentabilidade. O documento com os dados de 2014 já é público e pode ser consultado por meio do endereço http://relatorioanual.jbs.com.br.

A JBS valoriza a prática da saúde e segurança no trabalho e procura engajar os seus colaboradores no tema por meio do Sistema de Gestão de Saúde e Segurança, um programa de corresponsabilidade que envolve todos os níveis hierárquicos da companhia.

Além de ter uma estrutura corporativa sediada em São Paulo, a área de Saúde e Segurança do Trabalho da JBS disponibiliza profissionais em todas as unidades industriais. Por meio de um Sistema de Gestão – que utiliza como base de suas ações o Programa de Segurança e Saúde Ocupacional Auto Gestão (PSSAG) –, a companhia tem definidas diretrizes para minimizar ou eliminar os riscos para os colaboradores e, dessa forma, assegurar o atendimento de políticas internas e da legislação aplicável.

Baseado na OHSAS 18001, o PSSAG prevê a realização periódica de treinamentos, palestras, campanhas (Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho – SIPAT), programas e auditorias internas focados na saúde e prevenção de acidentes.

Os indicadores de Saúde e Segurança do trabalho são monitorados diariamente e analisados periodicamente para avaliar o desempenho de cada unidade em relação à saúde ocupacional e segurança de seus colaboradores e seu sistema de gestão.

Todos os colaboradores da JBS são representados nos Comitês de Segurança e Saúde, por intermédio dos membros, eleitos por funcionários e representantes da empresa, das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs), constituídas por 124 CIPAs e total de 620 colaboradores. A companhia conta ainda com o Comitê de Segurança, composto pela alta administração, que analisa os indicadores de saúde e segurança e todas as propostas de melhorias sugeridas pelos colaboradores.

A JBS não é a campeã em acidentes de trabalho no Brasil. É equivocado considerar apenas números absolutos, pois isso não permite que empresas de porte diferentes sejam comparadas. As regras universais de avaliação de acidentes de trabalho prevê o princípio da proporcionalidade em que a taxa de frequência de acidentes é medida pelo número de acidentes ocorridos em 1 milhão de horas trabalhadas. Na prática, uma empresa com 100 funcionários está mais exposta a riscos de acidentes de trabalho do que uma empresa com 10. No caso da JBS, que tem no Brasil cerca de 115 mil funcionários a taxa de frequência de acidentes está dentro da médias do segmento.

Ainda falando da taxa de frequência de acidentes, a companhia possuía em 2010 um índice de 14,28 e reduziu esse número para 7,28 em 2014 e reduzimos ainda mais para 6,59 no primeiro trimestre deste ano. Recentemente a companhia criou em sua estrutura corporativa um departamento de compliance de Relações Trabalhista. Essa é a primeira vez que uma indústria de alimentos do Brasil cria um grupo multidisciplinar especificamente voltado para a segurança do trabalho, que é responsável por agir preventivamente em todas as unidades de produção do grupo. O novo departamento reúne representantes da área jurídica, engenheiros de segurança, engenheiros de projeto, ergonomistas e especialistas em produção para garantir a adequação das unidades às normas de segurança de trabalho vigentes no país.

No caso de plano de saúde, a JBS oferece sim o benefício a seus colaboradores. A adesão ao plano, contudo, é uma decisão única e exclusiva do funcionário, que, inclusive, pode incluir seus dependentes em seu plano. No que diz respeito aos valores, os reajustes são realizados de acordo com as regras da Agência Nacional de Saúde (ANS), que regula esse tema. A JBS não aumenta indiscriminadamente o valor dos planos, apenas segue a legislação vigente.

A JBS é uma companhia que cresceu ao longo de sua história por meio de aquisições. Muitos desses negócios foram realizados com empresas que se encontravam em situação financeira difícil, muitas em recuperação judicial e outras que não apresentavam um resultado operacional satisfatório. Em muitos desses casos, as condições de trabalho das unidades adquiridas eram muito ruins.

A empresa mantém relações com mais de 150 entidades no Brasil. Favorecemos o contato direto com nossos colaboradores nas questões de relações do trabalho e praticamos o desenvolvimento contínuo das relações sindicais no âmbito dos Sindicatos, Associações e Entidades de Classe, através do estabelecimento de diálogo, de negociação e pautada no respeito aos limites normais de justiça e interesse comum.

Mais um sinal da preocupação da JBS com a segurança de seus colaboradores está nos investimentos realizados. Não é correto fazer uma relação entre o que a empresa fatura e o quanto é investido em segurança, uma vez que boa parte da receita da companhia é proveniente do exterior. No caso específico do Brasil, a JBS investiu ao longo de 2014 cerca de R$ 50 milhões. Apenas no primeiro trimestre deste ano já foram aplicados em segurança do trabalho R$ 22,6 milhões.

Por fim, a JBS adota uma postura de transparência para com seus acionistas. Trimestralmente, são apresentados os resultados financeiros aos membros do conselho de administração, onde BNDES e Caixa possuem assento. Além dos resultados trimestrais, os dados sobre segurança do trabalho já vem sendo relatados aos mesmos, com o objetivo de informar a situação de segurança e saúde do trabalho no período e mostrar os planos de ação que estão sendo implementados e em curso de implantação.”


Andrew Jennings: O futebol brasileiro não deveria ir ao congresso de Blatter

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jenningsBlatter teria que sair de uma maneira ou de outra. Mas o que ele fez, anunciando que renunciaria, foi como se o bicheiro Castor de Andrade, quando preso no Rio de Janeiro em 1994, dissesse à polícia: “Certo, eu vou estar muito ocupado nos próximos 4 ou 5 meses, mas posso marcar uma reunião com vocês e meus advogados depois disso”. A resposta obviamente seria: “Entre no carro senhor Andrade”.

A ideia de que os mafiosos de Blatter em Zurique estão organizando a sucessão é de tirar o fôlego.

Basta dar uma olhada na coletiva de imprensa de Blatter e na declaração de  Domenico Scala: “fizemos várias reformas e vamos fazer mais algumas”. Eles não fizeram reforma nenhuma! É uma mentira. E Scala é um dos seus capangas intelectuais pagos escalados para organizar um congresso. Bem. Apenas duas palavrinhas e uma delas é “off” em inglês. Você sabe qual é a primeira!

Eles não podem organizar um congresso, o mundo do futebol deveria organizá-lo, não Blatter e seus escroques. Acho que os torcedores brasileiros deveriam dizer “O futebol brasileiro não deve ir ao congresso final de Blatter”. Vocês não deveriam se envolver com esse absurdo.

Acho que Luis Figo é um cara legal, um grande jogador de futebol, mas essa fase já passou. Não é hora de escolher candidatos, temos que ter uma outra estrutura, em primeiro lugar, com transparência e liberdade de informação. Essa eleição vai ser completamente roubada, assim como a outra foi roubada.

Como em muitos outros países, vocês, brasileiros, foram traídos pelos seus líderes, os Marins e Teixeiras. Mas no Brasil há milhões de pessoas honestas que também são torcedores de futebol. Sabemos que não precisamos desse mar de lama no Rio. Não precisamos deles. As torcidas podem eleger seus próprios líderes e dizer: não vamos participar disso. E se a CBF quiser ir para o congresso, que vá, mas não os deixem entrar no país quando voltarem. Eles que fiquem na Suíça.

Que espetáculo maravilhoso!

A Fifa deveria ser completamente desmantelada. Ela fede, está morta e enterrada. Foi o que as últimas eleições mostraram. Não havia eleitores reais, eles foram pagos para votar. Vieram de países inexpressivos, que recebem milhões de dólares por ano de Sepp Blatter que vieram dos ingressos da Copa do Mundo que pertencia aos brasileiros. Claro que eles o amam! Ele cuida deles, faz com que enriqueçam e, em troca, eles dão seu voto. Por isso não! Queremos torcedores de todos os lugares votando.

Os “torcedores” – eu lembro dessa palavra apesar do meu péssimo português – deveriam organizar uma conferência em cada um dos estados, e mandar delegados para que democraticamente discutissem que tipo de Fifa queremos. Apenas mudem o nome, deixem Fifa pra lá. Vamos chamar de “Sindicato do Futebol”, que é mais simpático. Ou, Sindicato do Futebol Limpo.

Apenas imaginem – deixando de lado o 7×1 que não vamos comentar – uma das maiores nações futebolísticas do mundo, vocês, sentando-se com os alemães, outra grande nação do futebol, e mandem os torcedores, não esses picaretas, Teixeira, Marin, Del Nero. Digam: “Não queremos vocês aqui. Vamos reunir nossos torcedores. Não tentem nos impedir”.

Porque vocês deveriam jogar esse jogo? Agora eles nem são mais o tirano que os ameaça com o punho: “Façam como mando ou eu te arrebento a cara”. Agora eles são tipo: “com licença, por favor, vocês poderiam nos apoiar”. Acho que se 50 torcedores de futebol chegassem ao portão em Zurique veriam os ratos correndo para os fundos.

Em todo mundo há organizações de torcedores: na Europa, na Escócia, na Inglaterra. Eles são gente decente. Eles deveriam fazer planos juntos. E pedir para ONU apoiá-los para fazer uma conferência em outro lugar! Então os torcedores assumiriam o controle e dizer: “Todos esses caras bem pagos de Zurique podem ficar por lá”. Porque nós não queremos ir para aí. Não queremos que vocês administrem nada. Vocês nos traíram e não queremos papo com vocês. Vamos simplesmente enxotá-los.

Esses acontecimentos recentes deveriam ter como consequência o fortalecimento dos torcedores para que eles passassem a desempenhar um papel importante. Agora vocês têm muito mais condições de acabar com esses jogos de resultados previamente combinados. Porque os torcedores não puderam fazer nada contra isso. Agora os torcedores podem dizer: “Deixa pra lá, já sabemos quem vocês são”. Isso dá poder aos trocedores. Por que não? Essa porra de jogo é dos torcedores, não é o jogo do Sepp Blatter, nem do Del Nero.

Vocês não vão deixar esses bandidos tomarem conta das investigações a menos que vocês sejam o Castor de Andrade de 20 anos atrás no Rio de Janeiro. Sabemos que os gangsters de todos os países compram a polícia. Mas não dessa vez, queridos. Não dessa vez.

Novo ministério não veio para fortalecer combate à corrupção

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Fabiano Silveira, exonerado do cargo de ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (Foto: Geraldo Magela/Câmara dos Deputados)

Fabiano Silveira, exonerado do cargo de ministro da Transparência, Fiscalização e Controle (Foto: Geraldo Magela/Câmara dos Deputados)

Horas antes de o ministro da Transparência, Fabiano Silveira, ter se demitido do cargo na tarde de ontem, a Transparência Internacional, principal entidade global de combate à corrupção, anunciou a “suspensão de diálogo” com o governo brasileiro, até que um novo ministro, com experiência no combate à corrupção, seja nomeado. “O governo deve garantir que quaisquer membros do ministério envolvidos em corrupção ou trabalhando contra o curso das investigações sejam exonerados”, informou a organização em nota à imprensa.

Nas gravações que provocaram a queda do novo ministro, ele aparece orientando o senador Renan Calheiros, investigado pela Lava Jato, a se esquivar da operação. Silveira havia sido indicado por Calheiros para o ministério, criado após a extinção da Controladoria-Geral da União (CGU).

Ainda assim o presidente interino, Michel Temer, tentou manter o ministro no cargo, que acabou renunciando no final da tarde de ontem.

Em entrevista concedida ontem à noite, o representante brasileiro da entidade, Bruno Brandão, criticou a extinção da CGU sem debate prévio com a sociedade civil e questionou a criação do ministério da Transparência como forma de aprimorar o combate à corrupção, como foi anunciado pelo governo.

“Se essas alterações tivessem uma razão de ser justificada, inclusive com a participação da sociedade civil, e isso fosse uma estratégia para aprimorar a atuação da CGU não haveria qualquer problema (…). Mas não foi o caso. A nomeação desse ministro já indicou que [a mudança] não era para aprimorar o combate à corrupção e a promoção da transparência. Pelo contrário, era uma nomeação que cumpria, aparentemente, outros propósitos que não esse da pasta”.

A suspensão do diálogo ocorre no momento em que o Brasil deve concluir seu terceiro plano na Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP), e no ano em que a Transparência Internacional, criada há 23 anos e com atuação em mais de 100 países, volta a ter um representante no Brasil depois de oito anos de hiato.

A OGP foi criada em 2011 e teve o Brasil como um dos países fundadores. Seu objetivo é fornecer uma plataforma internacional que possa tornar governos mais abertos, responsáveis e responsivos aos cidadãos. Por meio da OGP, governo e sociedade civil trabalham juntos para desenvolver e implantar reformas que incentivem a transparência governamental.

Leia a seguir a entrevista com o coordenador do programa Brasil e representante no país da Transparência Internacional, Bruno Brandão, por telefone:

Qual era a parceria que existia entre a Transparência Internacional e a então Controladoria-Geral da União (CGU)?

A CGU sempre foi nosso maior interlocutor no governo. Mais recentemente, na preparação do terceiro plano de ação do Brasil na Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership). Estou em Montevidéu na reunião regional por isso. O Brasil tem que entregar este plano em junho. A Transparência Internacional era parte das organizações que estavam colaborando com o governo brasileiro na construção desse plano de ação. Este plano é um documento com uma série de compromissos em várias áreas. Cada governo que adere a essa parceria internacional é obrigado a apresentar e executar e a ter um monitoramento desses compromissos com vários mecanismos independentes e da própria plataforma da parceria. São compromissos para promover a abertura dos governos no acesso aos dados públicos, campanhas de capacitação, criação de novos órgãos e novas leis e aprimorar o acesso à informação e a abertura de governos. O Brasil está no terceiro plano e foi um dos fundadores dessa parceria, junto com o governo dos Estados Unidos, e hoje a parceria tem mais de 60 países. Tivemos outras iniciativas também, junto a redes locais de combate à corrupção, como a Rede de Observatórios Sociais do Brasil.

Por que a Transparência Internacional decidiu suspender o diálogo com o atual Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC)?

Enquanto tivesse a presença de um ministro que deslegitimava a nossa agenda, essa causa do combate à corrupção, seria impossível manter essa cooperação de alto nível que nós mantivemos durante anos com este órgão do governo brasileiro. Esse ministro, após as revelações das gravações, deslegitimava não só o seu governo, a sua pasta e ministério, mas o combate à corrupção em si. A transparência e o combate à corrupção são hoje a preocupação número um da população brasileira. Não poderiam estar sendo tratadas dessa forma, com uma representação desse nível.

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A Transparência Internacional apresentou algumas ressalvas em relação ao processo de extinção da GGU e criação do Ministério da Transparência. Por quê?

As mudanças, quando vêm para aprimorar as instituições, o nosso marco regulatório, nossa cultura de integridade, o sistema nacional e a infraestrutura de combate à corrupção, são bem-vindas. Se essas alterações tivessem uma razão de ser justificada, inclusive com a participação da sociedade civil, e isso fosse uma estratégia para aprimorar a atuação da CGU – que tinha vários méritos, mas também tinha vários problemas, que estava sucateada e sem recursos, com várias questões que limitavam sua atuação – não haveria qualquer problema desse governo criar um novo órgão, inclusive com poderes mais ampliados, com maior capacidade orçamentária. Mas não foi o caso. Não foi nem explicada a racionalidade e a justificativa por trás dessas alterações. A nomeação desse ministro [Fabiano Silveira] já indicou que [a mudança] não era para aprimorar o combate à corrupção e a promoção da transparência. Pelo contrário, era uma nomeação que cumpria, aparentemente, outros propósitos que não esse da pasta.

Agora com a renúncia do ministro, quais as expectativas da organização no futuro relacionamento com o Ministério e na continuidade dos planos que já estão em curso com o governo federal?

Nós temos todo o interesse de continuar a cooperação com o governo brasileiro, inclusive com os órgãos especializados no combate à corrupção. A gente espera muito que venha um representante para essa pasta que dignifique essa instituição e a causa do combate à corrupção. Que seja alguém com histórico de atuação reconhecido na área. O que a gente espera é uma figura que possa representar a luta do país no combate à corrupção no mais alto nível. Nós estamos em compasso de espera para ver a reação do governo brasileiro, que até agora foi decepcionante. Esperávamos uma reação do próprio presidente interino e não uma ação autônoma do ministro. Inclusive com comunicados a respeito disso, explicando ou dando sua justificativa. O que a gente espera é que essa situação seja superada, principalmente com a nomeação de um ministro com as credenciais adequadas para representar essa causa tão importante para o país. Se isso vier a acontecer, a Transparência Internacional tem todo o interesse de manter, ampliar e recuperar essa agenda no país, com o governo no combate à corrupção. Estamos em processo de retorno ao Brasil, depois de oito anos sem uma representação aqui. Esse ano marcamos nosso retorno esperando ter uma atuação mais proeminente, inclusive mais ativos nesse momento histórico pelo qual o país está passando. Ajudar e participar do combate à corrupção. Existem muitos riscos, mas também muitas oportunidades.

Sabesp quer aumentar tarifa residencial, mas continua dando desconto para grandes empresas

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Dias depois de o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, anunciar que busca um “pacto social” para aumentar a conta de água para a classe média, a Pública revela que 466 empresas continuam pagando tarifas “premium”, mais baratas, porque consomem muita água.

Os contratos de demanda firme continuam ativos, apesar de terem gerado protestos durante o auge da crise de água, em 2015. Eles garantem um vantajoso desconto para empresas e indústrias que gastam acima de 50 mil litros. Diferentemente do que ocorre com consumidores residenciais, quanto maior o uso, menor é o valor que as empresas pagam pelo metro cúbico (1.000 litros). O presidente da Sabesp chegou a afirmar em 2015 que a política poderia ser revista. No entanto, como mostram os documentos obtidos pela Lei de Acesso à Informação, centenas de clientes comerciais continuam gastando muito e pagando pouco.

“Essa política vai contra os princípios da Política Nacional de Saneamento Básico, de que a tarifa tem que ser um instrumento que induza o consumo racional, consciente. Esses contratos são indutores a um consumo maior”, afirma Guilherme Checco, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que monitora o nível dos mananciais paulistas.

Entre as 466 empresas beneficiadas, 28 pagam tarifas menores do que um cidadão normal. As menores tarifas chegam a custar R$ 4 a menos por metro cúbico do que uma conta residencial.

As outras tarifas continuam sendo mais caras do que a tarifa residencial, mas têm um desconto em relação à tarifa comercial, paga por empresas que não têm contratos de demanda firme (R$ 17,46 por metro cúbico).

As campeãs

A campeã do desconto é a indústria Viscofan do Brasil, com sede em Ermelino Matarazzo, que fabrica tripas de celulose para embutidos. A Viscofan paga R$ 5,56 por mil litros, enquanto uma residência paga R$ 9,64 (se gastar mais do que 50 mil litros).

A indústria recebe 54 milhões de litros de água, no mínimo, por mês, o que corresponde ao gasto de 2.454 famílias, considerando um consumo médio de 22 m3, de acordo com dados da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon).

No auge da crise, a empresa pagava apenas R$ 3,41 por metro cúbico. O valor foi reajustado, mas ainda hoje é um baita desconto.

A segunda beneficiária com maior desconto é a Volkswagen do Brasil, que paga R$ 6,06 por metro cúbico, em um contrato que garante o fornecimento de 30 milhões de litros por mês. A Volkswagen assinou em 2002 um contrato para o fornecimento de água em uma de suas fábricas, localizada em Taubaté. O valor inicial era de R$ 2,19 por mil litros, e o fornecimento mínimo era de 90 milhões de litros.

Já a Ceagesp paga R$ 6,65 por metro cúbico, para gastar no mínimo 43 milhões de litros de água por mês. O contrato inicial era de 2001 e tinha o custo de 4,03 por 1.000 litros de água. No ano seguinte, a Ceagesp renegociou os valores para baixo – e para isso se comprometeu a não usar fontes alternativas de água além da fornecida pela Sabesp.

Veja nas tabelas abaixo as empresas que recebem maior desconto na água e as que mais gastam água em São Paulo.

As 15 empresas com tarifas contratadas mais baratas

Os 15 contratos com maior consumo de água

Baixe aqui a tabela dos contratos vigentes de Demanda Firme (março de 2016)

+ Baixe todos os contratos de demanda firme assinados pela Sabesp

Embora tenha enviado os dados, a Sabesp continua pecando na transparência. Enviou o nome das empresas em uma tabela, e os detalhes dos contratos em outra. A reportagem teve que cruzar os dados com os contratos, publicados em 2015 pela Pública, para chegar nos nomes das empresas. Além disso, a companhia só enviou os nomes de 464 empresas, alegando que em dois casos há cláusulas de confidencialidade que impedem a publicação.

Os descontos às clientes que mais consomem foram mantidos mesmo durante a operação de sobretaxa aos usuários residenciais, que vigorou de janeiro de 2015 a abril de 2016, impondo altas multas a qualquer um que gastasse mais do que a sua média no ano anterior. O programa gerou uma receita de R$ 225 milhões à Sabesp.

A Sabesp fechou 2016 com lucro recorde de quase R$ 2,9 bilhões. Teve, ainda, aumento de receita de 20%. E decretou o fim da crise hídrica. “O ano de 2016 foi marcado pela superação da mais grave crise hídrica registrada na Região Metropolitana de São Paulo. Vivemos hoje um cenário de normalidade com a franca recuperação dos mananciais que atendem a metrópole”, disse o presidente, em carta, no dia 27 de março.

Fim da crise?

Guilherme Checco, do IDS, avalia que, embora a crise de abastecimento mais aguda tenha passado, ainda vivemos um momento de escassez hídrica – e a Sabesp não está se preparando para isso. “Todas as projeções climáticas dizem que os períodos de seca mais intensas e chuvas mais concentradas serão a normalidade daqui para a frente”, diz.

“Para a gente entender a situação, tem que olhar não só os reservatórios, mas alguns outros aspectos: a capacidade de recarga de mananciais, a recuperação de mananciais, as ações de reúso e a não poluição das nossas águas. E quando olha para esses elementos a situação é preocupante.” Ele afirma que apenas na cidade de São Paulo a Sabesp coleta e despeja nos rios 311 milhões de litros de esgoto não tratado por dia. (Leia mais: “Tietê, um rio de sujeira e contradições”.)

“Olhando só sete principais mananciais que abastecem a região metropolitana, tem mais de 570 mil hectares, ou 24% do total, que deveriam ser restaurados”, alerta. São áreas de “fragilidade ambiental”, com pouca vegetação, o que pode levar à erosão e, consequentemente, à degradação das águas dos rios.

O especialista critica também as perdas de água dentro do sistema Sabesp, que aumentaram no último ano. “O índice de perdas está na ordem de 32% em 2016, e mesmo com este nível de perda você estrutura uma estratégia de buscar água mais longe. Vai perder muita água no meio do caminho”, diz Checco.

Já a coordenadora da Aliança pela Água, Marussia Whately, critica o que classifica de “desprezo” das autoridades pelo conceito de economizar água. “Há um total desprezo da própria Sabesp em relação à redução do consumo e pelo conceito de gestão da demanda.” Ela exemplifica com o fim do bônus a quem economiza água. “A decisão foi muito mais de a Sabesp não repartir o seu lucro recompensando quem economizou.”

Procurada, a empresa reiterou que a crise hídrica acabou “graças aos investimentos feitos pela Sabesp e à participação da população”. Sobre os contratos de demanda firme, afirmou que eles só serão reavaliados se houver uma nova estrutura tarifária.

Desde o começo do ano, a Sabesp tem buscado uma revisão da política tarifária. A proposta à agência reguladora paulista (Arcesp) é de uma transição a um modelo em que os cidadãos residenciais paguem mais caro. A ideia é reduzir a diferença entre a tarifa residencial normal e a tarifa comercial normal. Com as mudanças, os contratos de demanda firme “perderiam a razão de ser”, segundo seu presidente afirmou ao jornal Valor.

“A Sabesp propõe que a estrutura tarifária seja discutida com toda a sociedade, de forma transparente, para que se chegue a um modelo que permita o avanço mais rápido nas principais demandas da população, como a despoluição de rios e córregos”, disse a companhia em nota à Pública.

As empresas que continuam pagando tarifas com desconto

Crédito da imagem destacada: Divulgação/Sabesp

Elaboração dos infográficos: Bruno Fonseca/Agência Pública

Uma em cada três offshores do mercado imobiliário está ligada a investigado pela Justiça

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Entre as 236 empresas proprietárias de imóveis em São Paulo controladas por offshores, reveladas em pesquisa de abril deste ano da ONG Transparência Internacional, a Pública identificou 89 empresários investigados ou condenados pela Justiça no Brasil. A maioria responde por crimes financeiros como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

O investigado que detém a empresa com mais imóveis em nome de offshores é Manuel Seabra Suarez, irmão de Carlos Suarez, fundador da construtora OAS. Manuel é sócio da Suarez Habitacional Ltda. Na cidade de São Paulo, a empresa é dona de 101 propriedades, entre imóveis e vagas, com valor venal que soma quase R$ 29 milhões. O valor venal geralmente é menor do que o comercial.

Atualmente, a Suarez Habitacional Ltda. está cadastrada na Bahia, mas é controlada pela Telford Enterprises Inc, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, que teve como representante no Brasil o próprio Manuel. Empresas como essa, as chamadas “offshores”, são organizações jurídicas pouco transparentes, sediadas em países com baixa incidência tributária, conhecidos como paraísos fiscais.

Manuel Suarez foi denunciado em 2012 pelo Ministério Público como suspeito de participar de desvios de recursos da Prefeitura de São Manuel, interior do Estado de São Paulo. Segundo o MP, “o grupo se apropriou de R$ 1,46 milhão de recursos públicos da saúde no período de quatro meses”.

Ainda de acordo com os promotores, a ação apreendeu cerca de R$ 900 mil em dinheiro em poder do grupo investigado, além de veículo e bens de luxo, avaliados em R$ 500 mil. “Os bens foram tornados indisponíveis por ordem da Justiça, juntamente com imóveis pertencentes aos envolvidos, cujo valor ainda não foi apurado”, completa a nota publicada pela assessoria de imprensa do MP.

Outro empresário que entrou na mira da justiça é Marcos Augusto Henares Vilarinho, dono da St Martin’s Negócios e Participações. Em outubro de 2015, a sede da companhia foi alvo de busca e apreensão numa ação da Operação Zelotes, que investigava casos de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A St Martin’s é controlada pela offshore St Martin’s Lane, também das Ilhas Virgens Britânicas. Essa segunda pertence à Transglobal Corporate Services – cujo representante no Brasil também é Vilarinho. O Ministério Público pedia sua condenação por um suposto crime de extorsão, mas o empresário foi inocentado no início de 2016.

No levantamento encontramos também o nome de Enrico Picciotto, conhecido pela participação no “escândalo dos precatórios”. Ele é procurador da empresa Charlotte Investimentos S/A, outra com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. Picciotto foi condenado a 15 anos de prisão.

Esses investigados representam offshores donas de imóveis nas regiões mais nobres de São Paulo, que é cenário de negociações milionárias, como a transação envolvendo o luxuoso Complexo JK. Essa façanha é do empresário Walter Torre Júnior, fundador da construtora WTorre e investigado na Operação Lava Jato.

Shopping JK Iguatemi é parte do Complexo JK, localizado no Itaim Bibi, área nobre de São Paulo (Foto: Iuri Barcelos/Agência Pública)

Negociação recorde de uma offshore

A venda de parte do Complexo JK para o Banco Santander rendeu R$ 1,06 bilhão à WTorre. Nunca se negociou tão alto um imóvel no Brasil, segundo um relatório de 2010 da empresa para a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). Chamou atenção também o lucro obtido na operação.

O imóvel, antiga propriedade da Eletropaulo, foi adquirido pela WTorre em dezembro de 2006, por cerca de R$ 385 milhões. Com 60 mil metros quadrados, o terreno fica na zona sul, em uma das áreas mais nobres da cidade de São Paulo. Na época, a aquisição fez ferver o noticiário. “Novo shopping no esqueleto da Eletropaulo ameaça engolir a Daslu”, estampava a manchete do jornal O Estado de S. Paulo.

Apesar da repercussão, pouco se sabia que, para a Justiça, o negócio envolveu uma manobra fiscal irregular.

A Prefeitura de São Paulo descobriu uma complexa estrutura empresarial, de sucessivas operações, com a participação de duas empresas offshores com sede em paraísos fiscais. Com isso, a WTorre deixou de desembolsar R$ 7,7 milhões para recolhimento do Imposto de Transferência de Bens Imóveis (ITBI), valor que, segundo a prefeitura, deveria ser pago numa ação desse porte.

Depois de quatro anos, a Secretaria de Finanças de São Paulo concluiu que a WTorre mascarou a compra do imóvel para evitar o ITBI e a autuou por elisão fiscal.

Era o início de uma grande batalha que a construtora de Walter Torre enfrentaria no decorrer dos anos seguintes. E que pode estar prestes a chegar ao fim.

A prefeitura está de olho

As movimentações da WTorre na aquisição do complexo não configuram crime, mas despertaram a atenção das autoridades. O primeiro recado chegou aos sócios dois meses depois por meio de uma intimação da Secretaria de Finanças, que exigia documentação para comprovar a aquisição do imóvel.

A resposta da WTorre – no mesmo dia da intimação – foi surpreendente: “Walter Torre Junior Construtora Ltda. […] vem respeitosamente informar que não adquiriu o prédio situado na Avenida Presidente Juscelino Kubitschek, onde está situada a loja Daslu, razão pela qual não há quaisquer documentos a serem apresentados”.

Embora publicamente assumisse a compra do terreno, a empresa negava o ato à prefeitura. A WTorre alegou que não houve uma operação de compra e venda do imóvel, mas sim a incorporação de uma empresa, dona do imóvel – o que justificaria, em sua visão, a ausência de recolhimento do ITBI na transação.

Até dezembro de 2006, o Complexo JK pertencia à construtora Ergi Empreendimentos Imobiliários. A Ergi havia incorporado o imóvel ao seu capital social. Essa é uma prática contábil que estabelece que determinado bem é “parte” da própria empresa.

Antes do negócio com a WTorre, os quotistas da Ergi eram o banco português BPN, com 20% de participação (R$ 3 milhões); a offshore Swiss Finance, com 80% (R$11,999 milhões); e João Lobo de Souza, que detinha a única outra quota que restava da Ergi. A empresa tinha um capital social de R$ 15 milhões.

No dia 7 de dezembro de 2006, a WTorre comprou as quotas do banco BPN e incorporou ainda outros R$ 254,8 milhões à Ergi – um acréscimo de quase 1.700% sobre o capital social da empresa. Assim, a WTorre passa a ser acionista majoritária, com 95,7% das ações. A participação da Swiss Finance, diluída após a injeção de capital da WTorre, passou a ser de apenas 4,3%.

No mesmo dia, entra em cena mais uma empresa offshore, a Venetian International Group. A WTorre criou essa empresa com o único propósito de avançar sobre as ações que lhe faltavam da Ergi e, consequentemente, do controle absoluto sobre o Complexo JK.

A Venetian seria uma empresa sem atividade e sem ativos, não fossem os R$ 94 milhões enviados do Brasil pela WTorre para adquirir a Swiss Finance de seus antigos controladores.

Com esse braço da operação finalizada, a WTorre encerrou as atividades das duas offshores, Venetian e Swiss Finance, e se tornou a única acionista da Ergi. A empresa adotaria o nome de seu novo controlador, WTorre Empreendimentos Imobiliários.

Decisão na Justiça

Segundo a WTorre, todas as operações foram devidamente declaradas aos órgãos competentes. A construtora acredita que a operação de aquisição do Complexo JK, através da antiga Ergi, foi inteiramente feita de acordo com leis do país, razão pela qual decidiu acionar o município de São Paulo na Justiça, pedindo a anulação do débito fiscal.

Mas a sentença do juiz Fernando Dias, publicada em 22 de janeiro de 2017, expõe uma visão bem diferente.

“Creio que o Fisco produziu evidências incontestáveis, na esfera administrativa e em juízo, de que efetivamente houve sucessivas reorganizações societárias de diversas sociedades empresariais, algumas, inclusive, com sede no exterior e em paraíso fiscal, que visaram mascarar, dissimular a efetiva aquisição imobiliária e escapar do pagamento do ITBI.”

Segundo a prefeitura, a WTorre ainda não quitou a dívida, estabelecida em R$ 11,5 milhões, dos quais R$ 3,8 milhões são referentes à multa pela operação. A construtora ainda pode recorrer a instâncias superiores da Justiça para reverter a decisão.

Segundo juiz, WTorre adquiriu o Complexo JK por meio de “sucessivas reorganizações societárias” (Foto: Iuri Barcelos/Agência Pública)

Offshores avançam sobre o mercado imobiliário

O levantamento da ONG Transparência Internacional (clique aqui para ler) revelou que a operação entre Ergi e WTorre, que envolve offshores no mercado imobiliário, não é um caso isolado. Segundo a pesquisa, mais de 3.400 imóveis da cidade de São Paulo pertencem a organizações que são ou foram controladas por empresas sediadas em paraísos fiscais.

De acordo com o relatório, o valor somado desses imóveis chega a quase R$ 9 bilhões. O Complexo JK, agora da WTorre, aparece no estudo como propriedade da empresa Swiss Finance, sediada em Wyoming, EUA. Esse estado americano é considerado um dos mais novos paraísos fiscais do mundo.

O estudo foi baseado nos dados do IPTU, que eram guardados sob sigilo pela prefeitura. Só se tornaram públicos em 2016 por determinação do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.

A equipe da ONG cruzou as informações do IPTU com os cadastros de empresas na Junta Comercial de São Paulo e descobriu 236 empresas que são ou foram controladas por offshores e proprietárias de imóveis na cidade. Em geral, é difícil identificar os reais proprietários de offshores, que controlam parte significativa do mercado imobiliário de luxo da maior metrópole do país.

Sob controle de offshores anônimas, essas empresas têm 67 imóveis na avenida Faria Lima, no valor de R$ 131 milhões; na avenida Paulista, outros 195, que somam R$ 120 milhões. Entre as avenidas Chucri Zaidan e Berrini, estão 820 propriedades que, juntas, são avaliadas em R$ 1,1 bilhão. Já o Complexo JK, sozinho, vale R$ 2,8 bilhões. A Transparência Internacional ainda lembra que o estudo apresenta os valores venais dos imóveis.

O uso de offshores é permitido pela lei. “Várias empresas que operam em nível internacional têm a necessidade de ter uma offshore para centralizar pagamento, por exemplo. Nada disso é crime, desde que seja tudo declarado e os tributos, pagos”, avalia a advogada e professora de direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) Heloísa Estellita. Mas ela acredita que o grande número de empresas controladas por offshores tem de ser visto como um sinal de alerta. “Sabemos que têm offshores que são donas, mas não sabemos se os donos estão declarando tudo isso. Você consegue esconder quem é o beneficiário final [dessas empresas].”

Para o presidente do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de SP, José Augusto Viana Neto, o uso de offshores toca numa questão delicada desse mercado – a falta de transparência. “Se você não consegue definir quem detém o direito jurídico sobre a propriedade, é claro que é um problema sério. A autoridade fica sem saber a quem fiscalizar e de que forma fiscalizar”, avalia.

A ausência de informações sobre o setor, segundo Viana Neto, não é problemática apenas em relação à identificação dos proprietários. “Você comercializa um imóvel por determinado valor, mas as partes podem escriturar essa transação pelo valor que acharem conveniente. A falta de um banco de dados que dê um histórico de negociação desses imóveis, que crie um antecedente que você possa consultar, facilita demais esse tipo de irregularidade, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro…”

Offshores lavam dinheiro

As offshores podem exercer um papel importante na organização da estrutura de um crime. Em 2010, um estudo do Banco Mundial revelou que 75% dos 150 casos de corrupção analisados ao redor do mundo tiveram o envolvimento desse tipo de empresa. Na prática criminosa, uma de suas principais funções é auxiliar na reinserção do dinheiro ilícito na economia formal, ou seja, na lavagem do dinheiro.

O caso envolvendo o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, condenado pela Lava Jato, é um exemplo claro: de acordo com a sentença, o executivo usou uma offshore para esconder a compra de um imóvel de R$ 7,5 milhões pago com dinheiro de propina.

Nessa operação, a offshore possibilitou o usufruto do produto final do crime de corrupção. “A maior parte dos crimes tem um objetivo financeiro. Ele quer usar o dinheiro. Se você impede o cara de usar o dinheiro, ele vai fazer outra coisa”, sugere Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle sobre Atividades Financeiras, o Coaf. Heloísa resume: “A finalidade de toda a legislação antilavagem é fazer com que o criminoso sente em cima do dinheiro dele e não tenha nada o que fazer com aquilo”.

É com esse objetivo que o Coaf obriga profissionais de setores econômicos visados para lavagem de dinheiro a reportar atividades suspeitas que presenciarem. O mercado imobiliário é um destes setores – só em 2017, já reportou ao Coaf mais de 1.400 operações suspeitas. “Nós temos a atribuição da aplicação da lei de lavagem de dinheiro sobre os nossos profissionais, mas não temos acesso nem informação sobre as partes contratantes”, diz Viana Neto, do Creci. Ou seja, em transações imobiliárias feitas diretamente nos cartórios – sem intermediação de corretores –, o Coaf fica sem saber de movimentações que possam indicar práticas ilegais.

Processo semelhante acontece com a advocacia. O Coaf estabelece normas antilavagem de dinheiro apenas para setores que não têm órgão regulatório próprio. No caso da advocacia, esse órgão é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que não exige que as atividades de seus profissionais sejam reportadas ao Coaf.

“Tanto que começaram a pagar propina por meio de escritórios de advocacia. A Lava Jato está mostrando isso. Por que por onde fosse pagar iria bater em pessoas sujeitas à lei de lavagem. Então começaram a usar setores não regulados. Advocacia, empresa de publicidade e marketing, que não têm obrigação de reportar”, alerta Heloísa.
De fato, dos 150 casos de corrupção analisados pelo Banco Mundial, 72 tiveram participação de algum intermediário, sendo 32 advogados. Nesses esquemas foram criadas mais de 800 empresas, que passaram por países como Panamá, Bahamas, Ilhas Cayman e Suíça. “Quem quer lavar vai sempre procurar um método mais sofisticado. Quanto mais sofisticado, mais gente sofisticada você precisa”, conclui Heloísa.

Respostas à Pública

A reportagem entrou em contato com Marcos Augusto Henares Vilarinho. Ele afirma que não é proprietário da offshore St Martin’s Lane, é apenas procurador, e que portanto não pode falar em nome da empresa. Ressaltou ainda sua absolvição na denúncia sobre corrupção no Carf.

Falamos também com o advogado de Manuel Seabra Suarez, Luiz Eduardo Menezes Serra Netto. Ele afirmou que não há nenhuma condenação contra seu cliente, mas que o processo ainda corre na Justiça. Pedimos ainda para conversar com Manuel sobre a Suarez Habitacional. O advogado prometeu falar com Manuel e nos retornar. Não retornou até o fechamento da reportagem.

Entramos em contato com o advogado de Enrico Picciotto e Francisco Queiroz. Ao advogado de Picciotto, pedimos esclarecimentos sobre a Charlotte Investimentos. Não houve retorno até o fechamento da reportagem.

À assessoria da WTorre perguntamos se a empresa já quitou as dívidas com a prefeitura e se pretende recorrer da decisão da Justiça. Em nota, a assessoria afirma que “adquiriu uma empresa 100% nacional em atividade, com contratos e funcionários” e que “tal empresa pertenceu anteriormente a um grupo português, o qual também era acionista da Eletropaulo”. A assessoria afirma ainda que não vai comentar processos em andamento.

*Colaborou Fernando Chrysostomo





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